ACSTJ de 04-03-2009
Reforma de acórdão Abuso do direito Conhecimento oficioso Omissão de pronúncia
I – A reforma de acórdão a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 669.º do Código de Processo Civil contempla o manifesto ou patente erro de julgamento sobre questões de direito, erro esse resultante de lapso grosseiro, por ignorância ou flagrante má compreensão do regime legal, ou seja, de total e errada interpretação dos preceitos legais, em consequência de desconhecimento, de menor atenção ou, até, de leviandade. II – Na alínea b) do citado inciso compreendem-se os casos de preterição de elementos probatórios, determinante de notório erro na apreciação das provas, ou de patente desconsideração de outros elementos, v.g. atinentes ao desenvolvimento da relação jurídica processual – designadamente por esquecimento, manifesta desatenção, deficiente estudo do processo, ou menor cuidado na preparação da decisão –, que, a terem sido considerados, imporiam, inexoravelmente, decisão diversa da proferida. III – Excluídos da previsão das referidas alíneas, acham-se os erros de julgamento não devidos a lapsos manifestos ou gritantes; daí que a faculdade ali consignada não comporta a impugnação da sentença ou do acórdão com base na discordância sobre o decidido, seja quanto à interpretação dos factos disponíveis, seja quanto à selecção, interpretação ou aplicação das pertinentes normas jurídicas. IV – A apreciação e decisão quanto à existência de abuso do direito não depende de expressa invocação pelas partes, por se tratar de questão de direito (art. 664.º, 1.ª parte do CPC) e de matéria de interesse e ordem pública, sendo, pois, permitido o seu conhecimento oficioso. V – Todavia, a pronúncia oficiosa sobre tal matéria pressupõe que ao tribunal se deparem factos que manifestamente apontem para a verificação de um ilegítimo exercício do direito accionado, ou seja, não tendo a questão do abuso do direito sido suscitada pelas partes, apenas se imporá ponderar quando a matéria de facto revele a necessidade de convocar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social, em ordem a determinar se o titular do direito o vem exercer, excedendo manifestamente tais limites, em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. VI – E, se o tribunal, perante os factos provados, reconhece, à luz das pertinentes normas, o direito invocado, sem que se lhe suscitem dúvidas, face ao quadro disponível, quanto à legitimidade do seu exercício, não tendo a parte levantado a questão, não pode, só por isso, falar-se de lapso manifesto ou patente erro de julgamento atinente ao enquadramento jurídico dos factos. VII – E também não pode falar-se de omissão de pronúncia determinante da nulidade a que se refere o artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, pois, como decorre do que se deixou referido, não tendo a questão sido suscitada pela parte interessada, o tribunal só haveria de sobre ela decidir se, em juízo prévio sobre o quadro factual disponível, entendesse necessário fazê-lo para obviar a uma solução do pleito clamorosamente injusta, o que, no caso, não ocorreu.
Recurso n.º 2470/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
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