ACSTJ de 04-03-2009
Aplicação da lei no tempo Contrato de prestação de serviço Trabalhador de limpeza Ónus da prova Objecto do recurso Limites da condenação
I – À qualificação jurídica de uma relação iniciada pelas partes em data imprecisa, mas anterior a 26 de Janeiro de 1983, e que subsistiu após a entrada em vigor do Código do Trabalho (1 de Dezembro de 2003), aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT). II – A “subordinação jurídica” do trabalhador ao empregador constitui o elemento essencialmente caracterizador do contrato de trabalho, que o diferencia de outros vínculos afins, designadamente do contrato de prestação de serviço. IV – Porém, perante as dificuldades de que se reveste a qualificação da “subordinação jurídica”, o apuramento deste conceito não se alcança, as mais das vezes, através do recurso ao simples método subsuntivo, havendo que apelar ao método tipológico, conferindo os índices, internos e externos, susceptíveis de serem casuisticamente surpreendidos na relação em análise para, em função deles, emitir, a final e no contexto global do caso concreto, o pretendido juízo qualificativo. V – Tratando-se de um contrato de execução continuada, torna-se também particularmente importante a indagação sobre o comportamento dos contratantes ulterior à sua celebração, em ordem a saber que tipo contratual veio por eles a ser efectivamente implementado. VI – Incumbe ao trabalhador, como pressuposto dos pedidos que acoberta em contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar factos reveladores da existência de um tal vínculo, porque constitutivos do direito accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). VII – Não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre a autora e a ré, na valoração global das seguintes circunstâncias: -a autora foi contratada inicialmente, por forma verbal, por uma empresa, e mais tarde, em 26 de Janeiro de 1983, mediante a subscrição de um documento escrito, pela antecessora da ré, para efectuar a limpeza de uma Central de Telecomunicações (denominada Estação Automática), durante 4 horas diárias (que em 1992 passaram a 5 horas), efectuadas dentro do período normal de trabalho (09.00h às 12.30h e das 13.30h às 18.00 h), quando a autora entendesse ser mais adequado e de forma a não perturbar outros trabalhos em curso, mediante o pagamento de um preço por hora, pago mensalmente; -cabia à ré o pagamento e fornecimento dos materiais necessários à limpeza, tendo sido confiado à autora a chave, mais tarde cartão, da porta de entrada do edifício que permitia o acesso naquelas horas; -inicialmente a ré não inseriu a autora na Segurança Social, nem lhe processou descontos, o que veio a fazer mais tarde (descontando-lhe 11% a título de taxa social única, que entregava àquela entidade); -a ré nunca concedeu férias à autora, nem lhe pagou subsídio de férias ou de Natal, bem como o subsídio de refeição, vindo esta a reclamar tal pagamento apenas em Setembro de 2005; -a ré era a única entidade para quem a autora prestava a actividade, verificando-se que algumas vezes foi o próprio marido da autora quem procedeu à execução dos serviços de limpeza. VIII – No caso, embora os descontos para a Segurança Social, a partir de determinado momento, a exclusividade da prestação da autora a favor da ré e o fornecimento por esta dos instrumentos de trabalho apontem para a existência de um contrato de trabalho, em contrapartida, outros de maior relevância, apontam em sentido contrário, como sejam o facto de a autora não estar sujeita a horário de trabalho (desde que observasse o ciclo diário) e de algumas vezes ter sido o próprio marido da autora a efectuar os serviços de limpeza e de ao longo do contrato nunca a ré ter concedido férias à autora, nem lhe ter pago o correspondente subsídio nem o subsídio de Natal. IX – Tendo a sentença da 1.ª instância condenado a ré a pagar à autora determinadas importâncias, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, e não tendo aquela recorrido de tal condenação, nem arguido a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, não estava a Relação impedida de conhecer da questão, suscitada pela autora na apelação, sobre o quantitativo dessa condenação, havendo apenas que atender, nesse conhecimento, que, por força do disposto no art. 684.º, n.º 4, do CPC, o montante arbitrado pela 1.ª instância jamais poderia ser diminuído, mas nada impedindo, ao invés, que ele pudesse ser aumentado, como reclamava a apelante.
Recurso n.º 2571/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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