Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 25-02-2009
 Despedimento colectivo Despacho saneador Caso julgado Caducidade da acção Prazo Erro sobre os motivos Dissolução de sociedade Encerramento da empresa Transmissão de estabelecimento Direito comunitário Reenvio prejudicial Abuso do direito
I – Deve considerar-se que não transitou em julgado o segmento do saneador-sentença proferido em acção de impugnação de despedimento colectivo que julgou ilícito o despedimento por inexistência do fundamento invocado, apesar de se ter tornado definitiva a decisão da Relação que julgou extemporânea a arguição de nulidades do saneador invocada pelo empregador recorrente, se este, na apelação, além de imputar ao saneador a comissão daquelas nulidades, sustentou que as razões do despedimento são as razões económicas que levaram à dissolução da sociedade empregadora e vem a reafirmar, na revista, que se verifica fundamento para o despedimento colectivo.
II - Os prazos de propositura de acção são geralmente qualificados como prazos substantivos de caducidade, mas podem ser também prazos judiciais, o que ocorre quando o prazo esteja directamente relacionado com uma outra acção e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material. III – O prazo de 90 dias para impugnar o despedimento previsto no art. 25.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), é um prazo de caducidade (cfr. o n.º 2 do art. 298.º do Código Civil) e tem natureza substantiva, na medida em que não pressupõe, necessariamente, a prévia propositura de uma acção, ou a existência de um processo, pelo que não lhe é aplicável a suspensão judicial do prazo prevista no art. 144.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de Outubro. IV – O cômputo deste prazo está submetido às regras do art. 279.º do Código Civil, v.g. à sua alínea e), em nada colidindo a transferência do termo do prazo que termine em férias judiciais para o primeiro dia útil após férias nela prevista, com a insusceptibilidade de suspensão do prazo de caducidade prescrita no art. 328.º do mesmo diploma, por serem realidades distintas a suspensão do prazo de caducidade, por um lado, e a dilação ou transferência do termo desse prazo, por outro. V – Sendo a data da cessação do contrato constante da comunicação de despedimento o dia 30 de Abril de 1993, deve considerar-se tempestiva a acção de impugnação de despedimento colectivo instaurada em 15 de Setembro de 1993 (primeiro dia útil seguinte após as férias judiciais de Verão de 1993), uma vez que o termo do prazo de caducidade do direito de acção ocorreria nas férias judiciais (29 de Julho de 1993). VI – Ainda que na petição inicial da acção de impugnação de despedimento colectivo seja invocada uma situação de erro sobre os motivos que viciou a aceitação pelos trabalhadores da compensação paga pelo despedimento, a previsão do art. 287.º, n.º 1 do Código Civil – que estabelece o prazo de um ano para arguir a anulabilidade do negócio jurídico – não afasta a aplicabilidade do prazo de caducidade do direito de impugnar o despedimento colectivo previsto no art. 25.º, n.º 2 da LCCT. VII – O processo de impugnação do despedimento colectivo adoptou soluções processuais que visam, além do mais, um controle célere e uniforme da avaliação da legalidade do despedimento e do procedimento patronal que o precedeu, sendo disso reflexo a apensação obrigatória de acções até ao momento do despacho saneador e o chamamento para intervenção dos trabalhadores com legitimidade processual, previstos, respectivamente, nos arts. 36.º e 156.º-A, ambos do CPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81 de 30/09, com a redacção do Decreto-Lei n.º 315/89 de 21/09. VIII – Na apreciação judicial do despedimento colectivo, apenas nos casos de gestão inteiramente inadmissível, ou grosseiramente errónea, poderão ser postos em causa os critérios de gestão observados pelo empregador. IX – A dissolução de uma sociedade (pessoa jurídica) não se confunde com o encerramento da empresa ou estabelecimento (bem por aquela pessoa explorado). X – Todavia, a deliberação da assembleia-geral de uma sociedade anónima no sentido da sua própria dissolução implica o encerramento da empresa em que se materializa o exercício da actividade económica dessa sociedade, ficando os poderes dos liquidatários limitados aos actos enunciados no n.º 3 do art. 151.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), sempre que, a par da deliberação de dissolução, não haja qualquer outra deliberação da assembleia-geral a autorizar os liquidatários a continuar a actividade, a alienar em globo o património social, ou a trespassar o estabelecimento da sociedade [alíneas a), c) e d), do n.º 2 do art. 151.º do CSC]. XI – A decisão sobre o encerramento definitivo da empresa (organização produtiva afecta à prossecução do objecto social), implicando a cessação da actividade para cujo exercício em comum a sociedade anónima foi constituída e que dá sentido à sua existência, excede o campo da mera gestão da sociedade comercial reservado ao respectivo conselho de administração ou à comissão liquidatária, sendo da competência da assembleia-geral, a quem cabe decidir sobre a dissolução da própria sociedade. XII – Basta a verificação de uma situação factual de transferência da empresa (ainda que, “de iure”, a comissão liquidatária da sociedade não tivesse poderes para efectuar tal transferência) para fazer operar o efeito transmissivo dos contratos de trabalho que o art. 37.º da LCT estabelece. XIII – O conceito de “estabelecimento” (ou empresa) para efeitos do art. 37.º da LCT abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global constitua uma entidade produtiva autónoma, com organização específica: uma unidade económica. XIV – Da aplicação do critério material de unidade económica resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de uma determinada actividade económica. XV – O conceito de “transmissão” para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário e nele se abarcando os casos de transmissão ou cessão da exploração inválidos. XVI – O critério fundamental para a aplicação das directivas comunitárias nº 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977 e n.º 2001/23/CE de 12 de Março, é o de saber: (i) se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica organizada de modo estável; (ii) se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade.XVII – Para determinar se a entidade económica subsiste na esfera do transmissário como um conjunto de meios organizados com suficiente autonomia para poder funcionar de forma independente no mercado (uma unidade económica), há que ponderar a globalidade das circunstâncias em que se processaram os factos susceptíveis de indiciar a transferência do estabelecimento. XVIII – Não pode concluir-se que uma companhia aérea transmitiu para outra um conjunto organizado de factores produtivos com relevância suficiente para se afirmar que constitui um suporte autónomo para o desempenho da actividade de voos não regulares que a primeira anteriormente prosseguia, se o que se verifica são meros actos de liquidação do património da sociedade dissolvida em benefício dos respectivos credores, diluindo-se o equipamento da companhia de voos não regulares, que a segunda passou a utilizar, no conjunto do equipamento desta. XIX – Neste contexto, e efectuando a segunda companhia voos regulares e não regulares, neles utilizando indiferenciadamente o seu pessoal e o seu equipamento, não se vislumbra no seu seio a reorganização de uma unidade económica dedicada à aviação comercial irregular. XX – A obrigação de reenvio prejudicial, que impende sobre os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno (§ terceiro do art. 234.° do Tratado de Roma), só se afirma quando esses mesmos órgãos jurisdicionais considerem que o recurso ao direito comunitário é necessário para a solução do litígio que perante eles corre e, além disso, que se tenha suscitado uma questão de interpretação desse direito. XXI – Mas, só se justifica que os órgãos jurisdicionais de algum Estado Membro implementem o referido reenvio quando ocorra dúvida sobre a interpretação das normas comunitárias. XXII – O juiz nacional não pode efectuar um reenvio que tenha por objecto a interpretação do direito nacional ou aferir da compatibilidade entre um preceito de direito interno e outro de direito comunitário. XXIII – Não se insere também na competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias saber se determinado normativo de direito comunitário é, ou não, aplicável (ainda que não directamente) a uma dada situação sobre a qual se debruçam os tribunais nacionais dos vários Estados Membros. XXIV – Verifica-se o fundamento enunciado no art. 16.º da LCCT para o despedimento colectivo de todos os trabalhadores da sociedade anónima que delibera a sua dissolução em virtude de graves dificuldades económicas da sua empresa, se se verifica que a sociedade cessa definitivamente a sua actividade com a dissolução e se a empresa não subsiste após tal data, encerrando definitivamente. XXV – A invocação de abuso do direito relativa aos despedimentos colectivos tem de reportar-se a esses mesmos despedimentos, não permitindo a apreciação de condutas gestionárias da empresa que lhes sejam alheias. XXVI – Só é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva em casos em que o exercício do direito subjectivo conduz a um resultado clamorosamente divergente do fim para que a lei o concedeu e dos interesses jurídica e socialmente aceitáveis.
Recurso n.º 2309/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão