Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 12-02-2009
 Transferência de trabalhador Cláusula de mobilidade geográfica Nulidade de cláusula Abuso do direito Prejuízo sério Ónus da prova Alegações de recurso Objecto do recurso
I -Não pode apreciar-se na revista, por se achar fora do âmbito do recurso tal como foi definido na alegação do recorrente, a pretensão de redução da base de cálculo da indemnização que fez constar das conclusões, se o texto do corpo da alegação não contém qualquer alusão a fundamentos que sustentem a referida pretensão.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LCT (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 408, de 24 de Novembro de 1969), ao estatuir que '[a] entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele prestar serviço', tem natureza supletiva.
III - É válida a cláusula constante de um contrato de trabalho subscrito em 1991, através da qual foi conferida ao empregador o direito de deslocar a trabalhadora para qualquer estabelecimento do território continental àquele pertencente, sem as restrições constantes da parte final do artigo 24.º, n.º 1, da LCT.
IV - Da falta de indicação, na mencionada cláusula, dos concretos lugares do território do Continente para os quais a trabalhadora aceitou ser deslocada, não pode concluir-se pela nulidade da estipulação nos termos do art. 280.º do Código Civil, uma vez que tais lugares são determináveis pela referência, na mesma cláusula, à existência neles de estabelecimentos pertença do empregador, sendo que, nos termos do contrato, a este foi confiada a determinação do local da prestação do trabalho, dentro daquela área.
V - Do princípio da confiança, essencial à execução de um contrato por natureza duradouro, como é o contrato de trabalho, decorre uma particular tutela jurídica das expectativas geradas pelos comportamentos das partes no desenvolvimento interactivo da relação laboral ao longo do tempo, tutela essa que pode determinar a 'neutralização' ou 'desactivação' de um direito pelo decurso do tempo, ponderada a natureza diversa dos interesses em confronto: do lado do empregador, predominantemente económicos; do lado do trabalhador, envolvendo aspectos fundamentais da existência humana.
VI - Demonstra-se uma justificada situação de confiança reportada à inalterabilidade do local de trabalho em função de razoáveis limites geográficos se a trabalhadora, durante mais de 16 anos, sempre teve o local de trabalho no mesmo estabelecimento da cidade do Porto, exercendo as funções de caixeira (que não têm natureza “ambulatória”) e no seu espírito se formou a convicção de que o seu local de trabalho se manteria inalterável, quanto mais não fosse, e na pior das hipóteses, circunscrito à região do Porto, onde o empregador detinha 15 estabelecimentos.
VII - É ilegítimo, nos termos do art. 334.º do Código Civil, o exercício do direito do empregador de, por força da referida cláusula, transferir a trabalhadora para um seu estabelecimento sito na cidade da Covilhã, após um tão longo período de tempo de 'hibernação' da cláusula em questão, por tal inesperado exercício conduzir a resultado mais danoso para a contraparte do que ocorreria se ele fosse actuado num quadro em que não existisse a referida situação de confiança e a estabilidade pessoal e familiar, em função dela planeada e alcançada, mostrando-se manifestamente excedidos os limites impostos pela boa fé na execução do contrato de trabalho — em que a lealdade, como valor particularmente actuante, na vertente de respeito pelas condições de vida, morais e materiais, do trabalhador, se apresenta como elemento indispensável à subsistência e ao saudável desenvolvimento do vínculo estabelecido, por natureza, dotado de carácter duradouro — e intensamente ofendido o sentimento de justiça socialmente dominante.
VIII - À face do n.º 1 do artigo 315.º do Código do Trabalho, a inexistência de “prejuízo sério” é pressuposto do exercício do poder do empregador de determinar a transferência de local de trabalho, pelo que sobre o empregador recai o ónus da respectiva prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
IX - Implica “prejuízo sério” para a trabalhadora e confere-lhe o direito de resolver o contrato com direito à legal indemnização [artigos 122.º, alínea f), 441.º, n.º 2, alínea b) e 443.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho], a referenciada mudança de local de trabalho considerando que, à data em que foi determinada, a trabalhadora tinha a sua vida familiar centrada na cidade do Porto -era casada, o seu marido trabalhava no Porto e tinha dois filhos a estudar na mesma cidade -e que entre esta e a cidade da Covilhã a distância é de cerca de 200 km (o que, exclui, à partida, a possibilidade de deslocação diária da residência para o novo local de trabalho e obrigá-la-ia a permanecer na Covilhã), constituindo um dano de dimensão adequada a produzir alteração substancial de um programa de vida pessoal e familiar, sedimentado no desenvolvimento da relação laboral durante 16 anos.
Recurso n.º 2573/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto