ACSTJ de 05-02-2009
Processo disciplinar Resposta à nota de culpa Direito de defesa Prova documental Acção de impugnação de despedimento Despedimento sem justa causa Faltas justificadas
I – O processo disciplinar, constituindo, embora, um meio obrigatório para a efectivação do despedimento visado pelo empregador, não perde a sua natureza extrajudicial e não preclusiva, independentemente da posição que o trabalhador nele tenha assumido, do direito do trabalhador à acção de impugnação e do exercício dos direitos processuais que o mesmo nela pode exercer. II – Deste modo, o facto de o trabalhador não ter exercido o direito de defesa, mediante a resposta à nota de culpa, não o impede de intentar acção de impugnação judicial do despedimento, com os consequentes direitos processuais, incluindo os que se situam no domínio probatório, nem afasta o ónus de o empregador provar nela os factos integradores da justa causa, assim como o modo concreto como o trabalhador tenha exercido aquele direito não preclude a possibilidade de, nessa acção, invocar factos que não tenha alegado em sede de processo disciplinar e de oferecer ou requerer aí meios de prova que neste não tenha indicado. III – Em consonância com o ónus da prova da justa causa que sobre si impende, ao empregador cabe indagar os factos em que suporta o despedimento e sobre o mesmo recai – ressalvadas, eventualmente, hipóteses pontuais e excepcionais – o «risco» de a factualidade que deu como assente na decisão final de despedimento não corresponder à que vem a ser apurada na acção de impugnação judicial do despedimento, ou porque não logrou fazer a respectiva prova ou porque a factualidade que resultava aparente quando da decisão do despedimento não correspondia, ainda que sem culpa da sua parte no respectivo apuramento, à realidade. IV – Em conformidade com as proposições anteriores, não configura abuso do direito, o comportamento do trabalhador/autor que, em sede de processo disciplinar (mais concretamente na resposta à nota de culpa) se limita a fazer alusão ao envio anterior de duas cartas à empregadora/ré (uma datada de 5 de Maio de 2005 e outra de 7 de Setembro de 2005), e que esta recebeu, em que manifestou a disponibilidade para, após a suspensão do contrato de trabalho nos anos lectivos de 2003/2004 e 2004/2005, retomar o trabalho de docência no ano lectivo de 2005/2006, que se iria iniciar em 3 de Outubro de 2005 – tendo, na decisão final do processo disciplinar a ré dado como provado que só tomou conhecimento da cessação do motivo que determinou a suspensão do contrato de trabalho através da carta do trabalhador datada de 19 de Novembro de 2005, julgando, até então, encontrar-se o mesmo em suspensão de funções por ainda decorrer o mesmo motivo que determinou a suspensão – só tendo, contudo, o autor vindo a fazer a junção das referidas cartas na acção de impugnação de despedimento. V – Em tal circunstancialismo, a ré, não obstante alertada pelo autor, na resposta à nota de culpa, para o envio das sobreditas cartas em que manifestava a intenção de retomar o trabalho, não usou do cuidado e precauções exigíveis em ordem a apurar tais factos (a existência das cartas e contactos reveladores da disponibilidade por parte do autor em retomar a docência na ré) e a tomar uma decisão final no processo disciplinar harmónica à realidade verificada. VI – Nesta conformidade, o autor não incorreu em faltas injustificadas posteriormente à cessação da suspensão do contrato de trabalho (3 de Outubro de 2005), que lhe foram imputadas no processo disciplinar, pelo que é ilícito o despedimento com esse fundamento.
Recurso n.º 2569/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
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