ACSTJ de 05-02-2009
Execução de sentença Categoria profissional Oposição à execução Impossibilidade do cumprimento Ónus da prova Abuso do direito
I – Não é lícito à executada fundamentar a sua oposição à execução com meios de defesa que, por serem anteriores ao encerramento da audiência de discussão e julgamento no processo declarativo, foram ou podiam ter sido invocados até esse momento. II – Por isso, não se tendo demonstrado na acção declarativa que a ora executada não dispunha, na sua estrutura, de funções enquadráveis na categoria de operador de laboratório, a inexistência dessas funções (novamente) invocada na oposição à execução não consubstancia qualquer facto superveniente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, consubstanciando, antes, matéria que ou foi, ou devia ter sido, invocada e apreciada nessa sede e não no âmbito da oposição à execução, não constituindo fundamento de oposição que a executada possa lançar mão (art. 91º, nº 2, do CPT e 814º, al. g), do CPC). III – Não cumpre a sentença proferida na acção declarativa que condenou a ré, ora oponente à execução, a ocupar o exequente em tarefas compreendidas na descrição normativa da categoria profissional de operador de laboratório principal definida no contrato colectivo de trabalho aplicável ou em tarefas compatíveis com aquelas, se a este foram cometidas as funções de preparador de trabalhos, irrelevando, para esse fim, saber se são, ou não, compatíveis as categorias profissionais de operador de laboratório e de preparador de trabalhos, designadamente para efeitos remuneratórios (mesmo que estes fossem iguais) ou estatutários. IV – Sobre a oponente à execução impende o ónus da prova dos factos de onde se extraia não poder cometer ao exequente as funções de operador de laboratório em que foi condenada (a cometer-lhe) na acção declarativa (nº 2 do artº 342º do Código Civil). V – Essa prova não se mostra conseguida pela oponente, não se podendo, pois, concluir pela impossibilidade de cumprimento da prestação, se não se prova que no quadro de actividades da oponente não existem quaisquer funções enquadradas na descrição normativa de operador de laboratório, e apenas se demonstra que a oponente não possui, no quadro das suas actividades, tarefas que correspondam a tal descrição normativa iguais às que eram prestadas pelo exequente junto da sua anterior entidade patronal. VI – O legislador nacional adoptou uma concepção objectiva do abuso do direito, entendendo que os efeitos advindos da ilegitimidade do exercício manifestamente abusivo do direito se haveriam de produzir desde logo, uma vez atingidos a boa fé, os bons costumes ou o fim social e económico do direito que foi conferido, sem necessidade da exigência da consciência desse atingir por banda do titular do direito. VII – Porém, não basta atingir-se a ofensa daquelas boa fé, bons costumes ou fim social e económico do direito: é (também) necessário que essa ofensa seja manifesta. VIII – Na vertente de venire contra factum proprium, o exercício manifesto do direito entronca-se na violação da boa fé, no sentido de atentar ou violar a confiança que a outra parte depositava na actuação do titular do direito que, ao não o exercer, razoavelmente a fazia contar com que um tal exercício já não iria ser levado a efeito, por isso prosseguindo essa outra parte uma actuação de acordo com a expectativa de não exercício, ainda que soubesse que sobre si impendia (ou, ao menos, tinha impendido) a obrigação decorrente desse direito. IX – Não configura exercício abusivo do direito por parte do exequente, o facto de este ter deixado passar um pouco mais de catorze meses desde que se tornou firme na ordem jurídica a decisão impositiva da obrigação de o colocar no desempenho de tarefas da definição normativa da sua categoria profissional ou com elas compatíveis, sem que tenha solicitado judicialmente esse cumprimento e requerido a cobrança da sanção pecuniária compulsória, vindo, só passado esse tempo, a peticionar um tal cumprimento, uma vez que está em causa uma obrigação que fora imposta por uma decisão judicial, fundada numa actuação ilegítima por parte da então ré e ora oponente, não se deparando fundamentos axiológicos que, em consciência social, apontem para uma imediata pretensão de coerção judicial do seu cumprimento e por não resultar da matéria de facto que, para além do mero decurso daqueles cerca de catorze meses, tenha havido, por parte do exequente, uma actuação reveladora de aquiescência com o desempenho das tarefas que lhe foram cometidas pela oponente, de forma a entender-se esse cometimento como cumprimento do julgado.
Recurso n.º 2574/08 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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