Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 14-01-2009
 Contrato de trabalho Contrato de prestação de serviços Aplicação da lei no tempo Ónus da prova Arqueólogo
I – À qualificação jurídica de uma relação iniciada pelas partes em data não apurada de Outubro de 1997 e terminada em 1 de Junho de 2005, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT). II – Mas o incumprimento contratual ocorrido em data posterior a 1 de Dezembro de 2003, deve ser apreciado de acordo com o regime instituído pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (artigo 8.º). III – A “subordinação jurídica” do trabalhador ao empregador constitui o elemento essencialmente caracterizador do contrato de trabalho, que o diferencia de outros vínculos afins, designadamente do contrato de prestação de serviços. IV – Perante as dificuldades de que se reveste a qualificação da “subordinação jurídica”, entende-se que o apuramento deste conceito não se alcança, as mais das vezes, através do recurso ao simples método subsuntivo, havendo que apelar ao método tipológico, conferindo os índices, internos e externos, susceptíveis de serem casuisticamente surpreendidos na relação em análise para, em função deles, emitir, a final e no contexto global do caso concreto, o pretendido juízo qualificativo. V – Para a referida qualificação jurídica, tratando-se de um contrato verbal e de execução continuada, torna-se também particularmente importante a indagação sobre o comportamento dos contratantes ulterior à sua celebração, em ordem a saber que tipo contratual veio por eles a ser efectivamente implementado. VI – Incumbe ao trabalhador, como pressuposto dos pedidos que acoberta em contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar factos reveladores da existência de um tal vínculo, porque constitutivos do direito accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). VII – Não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre o autor (arqueólogo) e a ré (empresa que se dedica à importação, fornecimento e transporte de gás natural), no seguinte circunstancialismo: -o autor foi contratado pela ré, para exercer a actividade de arqueólogo, em data não apurada de 1997, ao abrigo de um Protocolo, assinado em 1994, entre a ré e o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR), com vista a harmonizar a necessidade económica da instalação em Portugal de uma rede de gás natural com o imperativo moral e cultural de registar e salvar o património arqueológico do país; -nesse Protocolo previa-se a constituição de uma equipa técnica de arqueologia integrada por um arqueólogo a indicar pelo IPPAR, que acompanharia as frentes de trabalho da construção do gasoduto (cabendo-lhe a prospecção prévia das áreas críticas indicadas no estudo de impacto ambiental e o registo e recolha dos vestígios arqueológicos que viessem a ser encontrados), comprometendo-se a ré a contratar em regime de prestação de serviços os técnicos sugeridos por aquele organismo; -cabia ao IPPAR assegurar a coordenação técnica dos trabalhos da equipas, garantir a sua execução em tempo útil, enviar à ré indicações sobre as medidas de protecção a tomar e elaborar relatórios sobre os trabalhos desenvolvidos; -os técnicos contratados respondiam tecnicamente perante o IPPAR e disciplinarmente perante a ré; -o autor não tinha horário de trabalho fixado pela ré, sem prejuízo de ter de conformar a sua actividade ao horário das obras, sempre que as acompanhava; -o autor não possuía local de trabalho específico, nem figurava no quadro de pessoal da ré; -o autor nunca marcou férias, nem constava do mapa de férias elaborado pela ré; -a ré não pagava subsídio de férias ou de Natal. VIII – Nestas circunstâncias resulta que a ré não tinha o poder de decisão no recrutamento da equipa de arqueologia e era alheia ao controlo técnico do trabalho desenvolvido pelos seus elementos, que reportavam directamente ao IPPAR, apenas relevando para a ré a obtenção de um concreto resultado (a realização da prospecção prévia das áreas críticas indicadas ao estudo de Impacto Ambiental e acompanhamento da frente de trabalhos de construção do gasoduto, bem como o registo, recolha, estudo e publicação de todos os vestígios arqueológicos que viessem a ser encontrados) e não a actividade que os elementos das equipas teriam de prestar para alcançar esse resultado. IX – Neste contexto, não assumem relevo, no sentido de uma vinculação laboral, a pertença à ré dos meios de trabalho, a definição por esta do local da prestação e a submissão ao cronograma das obras, quando, é certo, estas circunstâncias se explicam no quadro protocolar (a propriedade dos meios de trabalho revertiam para o IPPAR no final do convénio e os serviços do autor aproveitavam também ao IPPAR, enquanto forma de desenvolver uma política de levantamento e preservação do património arqueológico nacional). X – De igual modo, irreleva – no sentido de uma vinculação laboral –, o facto de o autor, tendo sido contratado em Outubro de 1997, só cerca do ano de 2004 ter tomado conhecimento do referido Protocolo celebrado entre a ré e o IPPAR, uma vez que o desconhecimento do Protocolo, por parte do autor e aquando da celebração do contrato com a ré, só poderia eventualmente relevar em sede de erro sobre os motivos e pressupostos da contratação.
Recurso n.º 2462/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis