Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 14-01-2009
 Contrato de trabalho Contrato de prestação de serviços Aplicação da lei no tempo Ónus da prova Arqueólogo
I -A uma relação jurídica iniciada em 31 de Maio de 1994 e terminada em 2005, aplica-se o regime instituído pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (art. 8.º da Lei n.º 99/2003).
II - Todavia, a qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes deve efectuar-se à luz do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
III - A subordinação jurídica do trabalhador ao seu empregador constitui o elemento essencialmente caracterizador do contrato de trabalho, que o diferencia de outros vínculos afins, designadamente do contrato de prestação de serviços.
IV - Perante a dificuldade da prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, o apuramento deste conceito não se alcança as mais da vezes através do recurso ao simples método subsuntivo, havendo que apelar ao método tipológico, conferindo os indícios, externos e internos, susceptíveis de serem casuisticamente surpreendidos na relação em análise para, em função deles, emitir, a final e no contexto global do caso concreto, o juízo qualificativo.
V - Incumbe ao trabalhador, como pressuposto dos pedidos que acoberta em contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos reveladores da existência de um tal vínculo, porque constitutivos do direito accionado (art. 342.º, n.º 1 do CC).
VI - Não permite infirmar o “nomen juris”-contrato de prestação de serviços -atribuído pelas partes ao vínculo celebrado entre ambas, a valoração global das seguintes circunstâncias: -o contrato entre o autor (arqueólogo) e a ré (empresa de importação, fornecimento e transporte de gás natural) foi celebrado ao abrigo de um Protocolo precedentemente convencionado entre esta e o IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico), com vista a harmonizar a necessidade económica da instalação em Portugal de uma rede de gás natural com o imperativo moral e cultural de registar e salvar o património arqueológico do país; -neste Protocolo previa-se a constituição de uma equipa técnica de arqueologia integrada por um arqueólogo a indicar pelo IPPAR, que acompanharia as frentes de trabalho da construção do gasoduto (cabendo-lhe a prospecção prévia das áreas críticas indicadas no estudo de impacto ambiental e o registo e recolha dos vestígios arqueológicos que viessem a ser encontrados), comprometendo-se a ré a contratar em regime de prestação de serviços os técnicos sugeridos por aquele organismo; -cabia ao IPPAR assegurar a coordenação técnica dos trabalhos das equipas, garantir a sua execução em tempo útil, enviar à ré indicações sobre as medidas de protecção a tomar e elaborar relatórios sobre os trabalhos desenvolvidos; -os técnicos contratados respondiam tecnicamente perante o IPPAR e disciplinarmente perante a ré; -o autor limitava-se a comunicar à ré o período anual em que gozava “férias”; -a ré não pagava subsídios de férias ou de Natal; -as partes aceitaram expressamente o referido Protocolo como parte integrante do “contrato de prestação de serviços” outorgado.
VII - Destas circunstâncias resulta que a ré não tinha poder de decisão no recrutamento da equipa de arqueologia e era alheia ao controlo técnico do trabalho desenvolvido pelos seus elementos, que reportavam directamente ao IPPAR e para si relevava a obtenção de um concreto resultado -a realização da prospecção prévia das áreas críticas indicadas no estudo de impacto ambiental e o registo, recolha, estudo e publicação dos vestígios que viessem a ser encontrados na frente de trabalho) -, resultado este que também aproveitava ao IPPAR, perante quem a ré se comprometeu, através do aludido Protocolo, a assumir os custos com a contratação e funcionamento da equipa de arqueologia.
VIII - Neste contexto, não assumem relevo no sentido de uma vinculação laboral a pertença à ré dos meios de trabalho, a definição por esta do local da prestação e a submissão ao cronograma das obras, se estas circunstâncias se explicam no quadro protocolar (os meios reverteriam para o IPPAR no final do convénio e os serviços do autor seriam prestados nas frentes de trabalho da instalação do gasoduto).
IX - O relevo indiciário que resultaria da convenção sobre o exercício do poder disciplinar desvaloriza-se perante a autonomia técnica do autor e a inexistência de factos durante a execução do convénio em que esse poder se tenha concretizado.
Recurso n.º 2278/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis