Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 14-01-2009
 Despedimento sem justa causa Dever de urbanidade Princípio da proporcionalidade
I – A noção de justa causa de despedimento contida no artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho, corresponde à definição plasmada no artigo 9.º, n.º 1, da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador; (ii) a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho; (iii) e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e tal impossibilidade. II – A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato. III – A culpa – que deve ser apreciada, segundo o critério consignado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral. IV – A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe a necessidade de um prognóstico sobre a viabilidade da relação de trabalho, ou seja, um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta. V – O despedimento, apresentando-se como a sanção disciplinar mais grave, só deve ser aplicado quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, pois que, tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso mediadas conservatórias ou correctivas. VI – Mostra-se desproporcionada a sanção de despedimento aplicada à trabalhadora (autora) – na consideração de que outra medida punitiva, menos gravosa, seria adequada, sem afectar os interesses do empregador –, no circunstancialismo em que se apura que aquela, após uma troca de palavras com uma colega, levantou-se da mesa de trabalho, dirigiu-se ao local onde esta se encontrava a trabalhar e tocou-lhe na testa com um cone de linhas, repetindo o acto após a colega lhe ter dito para parar que estava a aleijá-la, e que ela bem sabia que lhe doía a cabeça, tendo de imediato a referida colega se levantado e, dirigindo-se à autora, afirmou “agora é que vais comêlas”, acabando por alcançar a autora, arranhando-a no rosto e no pescoço, tendo ambas caído ao chão, agredindo-se mutuamente, sendo separadas por outras colegas de trabalho. VII – Perante a referida descrição, desconhecendo-se o teor da troca de palavras que deu origem a que a autora se dirigisse ao local onde se encontrava a colega, a intenção que a moveu a tocar-lhe na testa e se o fez com violência ou agressividade, desconhecendo-se, outrossim, quaisquer consequências físicas desse facto, não pode deixar de concluir-se que a gravidade da situação violenta do confronto físico resultou, exclusivamente, ou sobretudo, da atitude da colega da autora que, reagindo com agressividade não justificada, não só proferiu a ameaça de a agredir, como, preparando-se a autora para se retirar, fez por alcançá-la e concretizou a ameaça arranhando-a no rosto e no pescoço.
Recurso n.º 2464/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira