ACSTJ de 14-01-2009
Acidente de trabalho Violação de regras de segurança Culpa do sinistrado Infracção estradal Negligência grosseira Casos análogos
I -A lei só dispensa o ónus de reparação do acidente de trabalho quando este tenha sido provocado por um comportamento particularmente censurável do próprio trabalhador, caso em que opera a chamada “descaracterização” do sinistro de acordo com os fundamentos taxativamente enunciados no art.º 7.º, n.º 1, da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. II - As regras de segurança contempladas na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º daquele diploma (estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei) são aquelas que estão directa ou indirectamente ligadas com a própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua actividade laboral. III - O comportamento do sinistrado ajudante de electricista, traduzido na condução de um veículo na via pública sem para tal se encontrar legalmente habilitado, não se enquadra na previsão da alínea a), do n.º 1 do artigo 7.º da LAT, por não se perspectivar a violação de qualquer regra ou condição de segurança atinente à actividade de ajudante de electricista, objecto do contrato de trabalho. IV - Não basta a mera circunstância de a conduta do sinistrado integrar uma infracção ao Código da Estrada, para se dar como preenchido o requisito da negligência grosseira que integra a causa de descaracterização do acidente prevista na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 7.º, uma vez que o regime jurídico dos acidentes de trabalho reclama mecanismos diferentes daqueles de que se socorre a legislação rodoviária: sendo aqui mais premente o interesse da prevenção geral – com o recurso a presunções de culpa e à punição de meras situações de perigo – não se podem transpor para a sinistralidade laboral os critérios de gravidade adoptados naquela legislação. V - A exclusão do direito à reparação, nos termos da referida alínea b), pressupõe a demonstração de que o comportamento grosseiramente negligente do sinistrado se apresenta como a única causa do acidente, demonstração essa que implica a prova de factos relativos à dinâmica do acidente que permitam afastar a concorrência de outras causas. VI - Estando provado que o acidente que vitimou o sinistrado ocorreu quando o veículo por ele conduzido entrou em despiste depois de percorrer 300 a 400 metros após iniciar a marcha, numa via estreita, com piso escorregadio, tendencialmente em recta com poucas curvas, não havendo, na ocasião, outro trânsito, tais factos permitem admitir a imprudência do sinistrado ao tripular o referido veículo na via pública, sem habilitação legal, mas são insuficientes para considerar esse comportamento como causa exclusiva do acidente, pois não se sabe: se outros fenómenos, designadamente ligados ao funcionamento do veículo (por exemplo, avaria mecânica), potencialmente adequados a provocar o despiste, estiveram, só por si, ou em concorrência com eventual imperícia do sinistrado, na origem do evento danoso; se da falta de habilitação para conduzir na via pública decorreu efectivamente a inaptidão para o exercício da condução; se o veículo foi conduzido de modo inábil e se isso foi condição necessária da ocorrência e se inexistiram outras plausíveis causas do infortúnio. VII - Quer a prova da negligência grosseira, quer a demonstração da exclusividade dela como causa do acidente, por se reportarem a factos impeditivos do direito à reparação, incumbem à parte contra quem esse direito é invocado, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. VIII - Não se verifica ofensa ao n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil -que estabelece que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” -quando o julgador, chamado a apreciar a responsabilidade infortunístico-laboral emergente de acidente rodoviário, o faz à luz das regras específicas do regime de reparação dos acidentes de trabalho, não aplicando normas atinentes à exclusão da responsabilidade civil do regime dos acidentes de viação.
Recurso n.º 2055/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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