ACSTJ de 14-01-2009
Impugnação da matéria de facto Falta de fundamentação Poderes da Relação Reapreciação da prova Aplicação da lei no tempo Pluralidade de empregadores Responsabilidade solidária
I – Resulta do disposto no n.º 6 do art. 712.º, do CPC, que está vedado ao Supremo sindicar as decisões que a Relação tenha proferido ao abrigo dos números precedentes daquele preceito. II – Porém, o Supremo não se encontra impedido de sindicar a interpretação e aplicação que a Relação haja feito das normas contidas nos diversos números do art. 712.º, nem eventuais nulidades decisórias que, porventura, haja cometido na sua pronúncia. III – Em tais situações, o recurso não se destina a apreciar se a Relação apreciou bem ou mal os meios de prova, ou se fixou bem ou mal a matéria de facto, mas sim a apurar se era processualmente admissível a alteração da matéria de facto por parte da Relação. IV – O legislador, ao consagrar a necessidade de observância por parte do recorrente do disposto no artigo 690.º-A, n.º 1, do CPC, pretende que aquele determine, de forma inquestionável, os pontos factuais de que discorda e os fundamentos da discordância, bem como a solução que sustenta e os respectivos fundamentos, de forma a evitar a impugnação genérica da decisão de facto, com a injustificada sobrecarga que adviria para o tribunal de recurso e, até, o indesejável surgimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual. V – Observa, minimamente, o disposto no referido normativo legal, de forma a permitir ao tribunal de recurso que conheça da impugnação, o recorrente que, com vista à pretendida alteração da matéria de facto, indica os factos que pretende ver alterados e a prova em que se funda tal alteração – sendo, além de outra, a testemunhal, estando os depoimentos gravados, uns no lado A, outros no lado B da cassete, e procedendo, inclusive, à transcrição parcial dos mesmos –, não obstante não ter indicado, por referência ao assinalado em acta, onde se encontram registados os depoimentos (indicando, apenas, o lado “A” ou “B” da cassete). VI– O dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no art. 653.º, n.º 2, do CPC: o incumprimento deste dever, na 1.ª instância, pode, no circunstancialismo descrito no n.º 5, do art. 712.º, determinar a baixa do processo (à 1.ª instância), para que o julgador sane a deficiência (concretização dos meios probatórios decisivos para a sua convicção). VII – Embora a lei processual não preveja, ao menos expressamente, qualquer sanção para a eventual falta de motivação por parte da Relação, a exigência de fundamentação decorre do próprio princípio, fundamental, consagrado no n.º 1 do art. 205.º da CRP. VIII – A motivação (da matéria de facto) na 1.ª instância destina-se a permitir que o Tribunal da Relação, chamado a controlar a decisão sobre a matéria de facto, possa reapreciar o julgamento e, se for caso disso, substituir-se na fixação da matéria de facto, necessitando, para tanto, de conhecer a decisão que reaprecia. IX – Diversamente, a motivação (da matéria de facto) na Relação não se destina a qualquer controlo pelo tribunal superior (STJ), pois a decisão que modifique ou mantenha a decisão de facto não pode ser objecto de recurso, ficando, por isso, a motivação satisfeita com a indicação dos elementos (designadamente prova testemunhal) em que se fundou para a formação da convicção, se for caso disso, com a audição da prova gravada pertinente, de modo a poder concluir-se que o tribunal procedeu, efectivamente, ao controlo da matéria factual fixada pelo tribunal “a quo”. X – Daí que fundamente suficientemente a alteração da matéria de facto, o acórdão da Relação que, embora sem elencar de forma separada e autónoma os motivos por que procedia à alteração da matéria de facto em causa, não deixa de os referir e de os ponderar, afirmando que determinados factos se encontravam suportados no depoimento de determinadas testemunhas e que outros se encontravam em contradição com factos provados através de documentos. XI – Tendo a autora iniciado a prestação de actividade para a 1.ª ré em Janeiro de 2001, mas estando (também) em causa na acção a relação de trabalho que vigorou em 2004 – concretamente o não pagamento dos salários referentes a esse ano, por parte das rés (cinco) –, e, com ela, se estas rés, nesse período, poderiam ser consideradas empregadoras da autora, do que se trata é de apurar o conteúdo da relação jurídica, do regime de direitos e deveres decorrentes da prestação de uma actividade e, assim, de identificar as partes dessa relação (até porque nada impede, observados determinados requisitos, que o vínculo pré-existente com um empregador se possa transformar em relação com pluralidade de empregadores), pelo que a referida questão deverá ser perspectivada de acordo com respectiva legislação vigente nesse período (LCT e CT). XII – Na legislação anterior ao CT, para aferir se o trabalhador se encontra vinculado a um único empregador ou a vários empregadores, o que releva é o critério da subordinação jurídica, não alterando a relação jurídica os vínculos de natureza económica porventura existentes entre as empresas. XIII – O art. 92.º do CT contemplou expressamente, e de forma inovatória em relação à anterior legislação, a possibilidade de o trabalhador se poder obrigar a prestar o trabalho a vários empregadores. XIV – Todavia, exige-se, para tanto, além de requisitos de natureza formal, que exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou uma estrutura organizativa comum. XV – Para que se verifique a existência de “estruturas organizativas comuns” é necessário que os empregadores partilhem mais do que a posição jurídica de credor da prestação do trabalho: a actividade económica que prosseguem tem de se servir de instalações, equipamentos ou recursos que sendo característicos da actividade desenvolvida, estão à disposição de todos. XVI – Não se demonstra a existência de uma pluralidade de empregadores (cinco) se da matéria de facto apenas consta que a 2.ª ré detém 25% da 1.ª ré, não detendo esta qualquer participação em relação às outras rés, e que a 1.ª ré, que tem por objecto, entre o mais, a prestação de serviços de contabilidade às outras (quatro) rés, contratou a autora que, no exercício da sua actividade de Directora Financeira, prestou, além do mais, serviços de contabilidade para essas outras rés.
Recurso n.º 934/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
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