ACSTJ de 14-01-2009
Contrato de trabalho Factos conclusivos Indícios de subordinação jurídica Caducidade do contrato de trabalho Impossibilidade superveniente Impossibilidade absoluta Impossibilidade definitiva Contabilista
I – Colocando-se na acção como “thema decidendum” a questão da qualificação da relação contratual que ligava as partes -como contrato de trabalho ou de prestação de serviço -saber se “não foi estipulado qualquer horário de trabalho” entre as partes é dado que assume natureza jurídico-conclusiva, pelo que, ao abrigo do art.º 646º, n.º 4 do CPC, deve ser considerada não escrita a expressão desse teor que a 1.ª instância integrou na matéria de facto. II – Apontam significativamente no sentido de que se verifica a situação de subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho e de que o autor, contabilista, estava integrado na organização de meios da ré e submetido ao seu poder de direcção e disciplina, os seguintes indícios factuais: o autor utilizava as instalações da ré e os meios e instrumentos à mesma pertencentes, para realizar a prestação a favor desta, ali comparecendo diariamente, de 2ª a 6ª feira desde o início da manhã e até depois das 17.30 horas; exercia as suas tarefas recebendo, para o efeito, instruções e directivas dos órgãos da ré (IPSS), a cuja aprovação submetia as decisões e iniciativas relativas às funções de que estava incumbido (de organização da contabilidade da R. e de apoio contabilístico aos funcionários desta encarregados dos serviços de caixa, facturação e pessoal, de representação da ré em reuniões de condóminos, de elaboração de expediente diverso referente a condomínio, de informatização do escritório e respectiva actualização, com apoio aos demais funcionários na solução dos problemas que iam surgindo, de elaboração dos contratos de arrendamento dos imóveis de que a ré é proprietária, bem como de interpelações dos inquilinos para a actualização das rendas, e de instrução de processos disciplinares); a retribuição mensal inicialmente fixada foi calculada à hora e, posteriormente, passou a ser fixa (mas sempre desvinculada da consecução de concretos resultados da actividade prestada); a retribuição era acrescida de subsídios de férias e de Natal, e actualizada, ao longo dos anos, da mesma maneira, na mesma proporção e na mesma altura que a remuneração dos trabalhadores da ré (em clara enformação por critérios e práticas próprias do contrato de trabalho); nos meses de Agosto (meses em que a ré encerrava para férias), o autor apenas se deslocava às instalações da ré com vista à liquidação do IVA – que tinha que estar concluída até ao seu dia 15 –, não comparecendo aí nos demais dias, e a ré nada lhe descontava na quantia que lhe pagava relativa a esse mês (o que aponta para situação equiparável do pagamento do mês de férias, própria do contrato de trabalho); sempre que não comparecia, o autor necessitava da comunicar a ausência e seu motivo, nada lhe sendo descontado (o que não exclui a eventualidade de, face às comunicações feitas, terem sido justificadas pela ré as faltas dadas). III – A não exclusividade -traduzida em o autor ter feito a contabilidade de um centro social paroquial e de uma empresa de confecções, admitindo-se que alguns réditos tenha auferido nessas outras actividades -não afasta a qualificação laboral do contrato, se se desconhece o “peso”, em termos de tempo de prestação ou de expressão económica, dessas outras tarefas e se se sabe que a prestação em favor da ré teve expressão significativa (entre 1991 e 2005 e diariamente, de 2ª a 6ª feira, entre hora incerta da manhã e momento posterior às 17h30m) e peso económico (14 retribuições mensais ultimamente de € 646,50). IV - Ao não exercício de prerrogativas laborais, como é o caso da emissão de “recibos verdes” e da não efectivação dos descontos para a Segurança Social e retenções na fonte para efeitos de IRS, não deve conferir-se, em princípio, valor negativo excludente da qualificação da relação como de trabalho, podendo, como muitas vezes acontece, traduzir apenas o incumprimento das correspondentes obrigações legais que impendem sobre o empregador e visar camuflar a verdadeira natureza laboral dessa relação. V - Não gera a caducidade do contrato de trabalho nos termos do art.º 387º, al. b) do Código do Trabalho -por “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” -, o facto de a ré (IPSS) ter passado a estar obrigada a ter um técnico oficial de contas (TOC), a partir da apresentação das contas referentes ao exercício de 2005, para assinar as contas apresentadas no Instituto da Segurança Social e apor a respectiva vinheta de TOC, sendo que o não acatamento dessas exigências era motivo suficiente para a recusa de recepção das contas, e o autor não tinha a qualidade de TOC, dado não estar inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas a quem cabe a concessão da respectiva cédula profissional (inscrição que é obrigatória, conforme art.º 1º do seu Estatuto, aprovado pelo DL n.º 452/99, de 5.11). VI - Em tal situação, verifica-se a impossibilidade superveniente de o trabalhador realizar os actos de “planificação, organização e coordenação da execução da contabilidade”, de “assumpção da responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal” e de “assinatura, conjuntamente com o representante legal” das declarações fiscais e demonstrações financeiras (art. 6.º do Estatuto dos TOC), mas este impedimento não extravazou para o vasto domínio de outros actos necessários na área da contabilidade, que o autor também levava a cabo (preparatórios ou de mera execução da contabilidade, instrumentais da elaboração dos elementos contabilísticos finais), nem para as demais tarefas que constituíam objecto do contrato de trabalho referidas no ponto II, o que impede a afirmação da impossibilidade absoluta da prestação de trabalho. VII - Não é possível também formular um juízo sobre o carácter definitivo da impossibilidade, se apenas está assente a não inscrição do trabalhador como TOC na respectiva Câmara, nada provando o empregador -a quem cabe o respectivo ónus -que permita a afirmação de que não é viável, em tempo útil e razoável, a obtenção pelo trabalhador de tal inscrição, em termos de fazer desaparecer o impedimento que o afectava, e de que, por isso, não é exigível ao empregador aguardar a obtenção dessa inscrição (para se concluir que, no quadro geral da boa fé que deve nortear a execução dos contratos, o empregador lhe devia ter concedido prazo razoável para afastar o dito impedimento, sob pena de “operar” a extinção do contrato, por caducidade).
Recurso n.º 323/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
|