ACSTJ de 18-12-2008
Despedimento sem justa causa Doença profissional Dever de obediência Dever de assiduidade Infracção disciplinar Caducidade do contrato de trabalho Ónus da prova Indemnização de antiguidade Retribuições intercalares
I -Não pode afirmar-se a desobediência culposa e injustificada às ordens do empregador para o desempenho, pelo trabalhador, de determinadas funções, se a objectividade dos factos provados aponta apenas para que este, pretextando a doença de que padecia -e que foi dada como provada -, referiu não conseguir o desempenho das tarefas que lhe foram cometidas, tendo iniciado algumas delas, que não logrou levar até ao fim, dizendo ser incapaz de as efectuar. II - A verificação fáctica de uma doença ou incapacidade que, na realidade, diminui a total potencialidade do trabalhador para o desempenho das suas funções, releva para a questão de saber se o objectivo incumprimento dos deveres que sobre ele impendem devem, ou não, ser perspectivados como ilegítimos, porque culposos, mesmo que ao tempo da respectiva ocorrência a doença e a incapacidade ainda não estejam certificados pela entidade com exclusiva competência para o fazer: o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, nos termos do art. 77.º do Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho. III - Para a ocorrência de uma infracção disciplinar, mister é que se depare uma imputação subjectiva ao trabalhador, enfim, que o mesmo tenha actuado com culpa, revelando intentio de não pautar a sua conduta pelos ditames da boa fé, iluminadores de uma leal colaboração com a sua entidade empregadora. IV - A recusa do trabalhador em desempenhar algumas das funções que sempre exercera invocando a doença de que padecia, geradora de determinado grau de incapacidade (como, aliás, posteriormente foi certificado), pelo que não conseguia levar a efeito esse desempenho, não pode imputar-se ao desiderato de não cumprir o desempenho das funções que lhe foram atribuídas. V - Neste contexto, não denota também a disposição de não trabalhar a não comparência ao serviço do trabalhador entre 2 e 12 de Agosto de 2005, após ter recebido a carta da ré em que lhe era transmitido que, caso mantivesse a disposição de não trabalhar, devia abandonar de imediato as instalações da empresa (na sequência de uma anterior carta em que a ré lhe comunicara que, de futuro, ou trabalhava, ou fazia prova da sua incapacidade pelos meios legais, condição esta que não era possível, desde logo, ser alcançada pelo trabalhador). VI - Em sede sancionatória, não basta a existência de um comportamento do trabalhador que, numa primeira aparência, possa apontar para o cometimento de uma infracção disciplinar por infracção dos deveres que, em abstracto, lhe estão cometidos, do mesmo modo que, para a formulação ponderada de um juízo de censura quanto a esse comportamento, mormente para efeitos de o subsumir ao conceito de justa causa, se não deve confinar a apreciação somente à verificação de que o mesmo foi prosseguido no exercício de um direito, sendo ainda necessário, além de um juízo de imputação subjectiva, o balanceamento de todas as circunstâncias que ocorreram no caso. VII - Sobre a ré que, em sede reconvencional, invoca a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho [artigo 387.º, alínea b) do Código do Trabalho] recai o ónus de alegar e provar que não dispunha de qualquer posto de trabalho que permitisse ao autor, perante a incapacidade que lhe veio a ser reconhecida, desempenhar as funções inseridas no contrato laboral que não implicassem os movimentos incompatíveis com aquela incapacidade. VIII - Ocorrendo o despedimento sem justa causa sobre trabalhador incapacitado em resultado de doença profissional, a indemnização de antiguidade deve ser calculada nos termos previstos no n.º 2 do art. 30.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, tendo em conta, para além do mais, a norma supletiva constante do art. 100.º do Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho. IX - Optando o trabalhador, em substituição da reintegração, pela indemnização desenhada no n.º 1 do art. 439.º do Código do Trabalho, o direito à recepção das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deve ser calculado até este momento e não por referência ao momento temporal em que ocorreu a opção. X - Não se surpreende nesta interpretação (plasmada no antecedente ponto IX) ofensa do que se consagra no art. 20.º da Constituição da República, ou uma definição normativa que inculque uma solução de desproporcionalidade, porque arbitrária e desprovida de fundamento razoável.
Recurso n.º 3041/08 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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