ACSTJ de 10-12-2008
Acidente de trabalho Violação de regras de segurança Culpa do sinistrado Culpa do empregador Alcoolemia Nexo de causalidade Ilações Retribuição-base Subsídio de alimentação
I -A descaracterização do acidente de trabalho, com esteio na al. a), do nº 1 do art. 7.º, da LAT exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: que se evidencie uma conduta do sinistrado, por acção ou por omissão, suportada por uma vontade dolosa ou intencional na sua adopção; que existam condições de segurança, impostas por lei ou pelo empregador, e que as mesmas tenham sido desprezadas pelo acidentado, sem causa justificativa. II - Da previsão normativa em análise mostram-se excluídas as chamadas culpas “leves”, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimentos ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes, ou não, da habituação ao risco. III - Não pode afirmar-se o preenchimento desta hipótese de descaracterização se os autos não fornecem o menor elemento que habilite a afirmar a natureza volitiva -e, consequentemente, o seu grau -da omissão do sinistrado em colocar guarda-corpos na plataforma de trabalho de que veio a cair. IV - Uma vez que a obrigação de colocação de guarda-corpos -no âmbito genérico das regras de segurança a implementar -recaía sobre o empregador, o sinistrado só poderia ser responsabilizado pela sobredita omissão se provado estivesse que tal colocação integrava uma das tarefas a seu cargo ou, pelo menos, que recebera ordens do empregador nesse sentido. V - A descaracterização do acidente prevista na al. c), do nº 1 do art. 7.º, da LAT exige que haja privação do uso da razão e não uma simples diminuição das capacidades psico-motoras do sinistrado que lhe afectam a visão, o equilíbrio e os reflexos (vg. em resultado de alccolemia). VI - A “negligência grosseira” a que alude a al b) do mesmo preceito, corresponde à culpa grave, pressupondo a sua verificação que a conduta do agente -porque gratuita e de todo infundada -se configure como altamente reprovável à luz do mais elementar senso comum, o que deve ser apreciado em concreto, conferindo as condições do próprio sinistrado. VII - A descaracterização que se arrime em qualquer dos fundamentos plasmados no art. 7.º da LAT pressupõe que o acidente tenha resultado exclusivamente do comportamento do sinistrado. VIII - Desconhecendo-se a dinâmica do acidente e sabendo-se apenas que o sinistrado caiu da plataforma de trabalho em que se encontrava a abrir roços numa parede com um berbequim a uma altura de 1,9 metro, falta a base para que se possa estabelecer uma relação exclusiva de causa/efeito entre a queda e a taxa de alcoolemia de que o sinistrado era portador. XVIII - Se formulado um quesito sobre um facto desconhecido -ter o sinistrado caído porque não teve reflexos para se proteger em resultado da TAS de 2,79 g/l de sangue -e o tribunal, produzida a prova, afirmou apenas na resposta a alcoolemia apresentada no momento da colheita e as afecções da visão, equilíbrio e reflexos dela resultantes, não pode posteriormente eleger-se a alcoolemia como causa do acidente produzido com base em simples ilação fáctica obtida por recurso às máximas da experiência. IX - Nestas situações o Supremo pode intervir correctivamente nos termos do art. 729.º, n.º 3 do CPC, por se tratar de uma contradição factual susceptível de inviabilizar a decisão jurídica do pleito, bastando-se a correcção com a simples eliminação da ilação extraída. X - Ignorando-se a etiologia do acidente e as causas que o determinaram, é impossível afirmar o nexo de causalidade entre a omissão pelo empregador da implementação de meios protectores para o trabalho a desenvolver e o sinistro que se desencadeou, o que afasta o agravamento reparatório previsto no art. 18.º da LAT. XI - O conceito de retribuição atendível para efeitos infortunísticos -art. 26.º da LAT -mantém a referência nuclear ao pagamento “regular” da prestação e afasta tudo o que se destine a “compensar o sinistrado por custos aleatórios”. XII - O subsídio de alimentação pago mensalmente por um montante pré-fixado é uma prestação certa e regular relacionada com a prestação efectiva de trabalho e integra-se no conceito de retribuição a atender como base de cálculo para as prestações reparatórias.
Recurso n.º 1893/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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