ACSTJ de 26-11-2008
Administração Pública Contrato de trabalho Convalidação Ónus da prova Reintegração Abuso do direito Indemnização de antiguidade Trânsito em julgado
I – Quer de acordo com o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, quer de acordo com o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, não era permitido o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e o trabalhador mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo de considerar nulos os contratos celebrados nestes termos (n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 427/89 e artigo 292.º do Código Civil). I – Contudo, com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho (maxime dos artigos 1.º, 28.º e 29.º), passou a existir a admissibilidade, genérica, de o Estado e outras pessoas colectivas públicas celebrarem contratos de trabalho por tempo indeterminado. III – Tendo-se iniciado a relação de trabalho por tempo indeterminado ao abrigo dos Decretos-Leis n.º 184/89 e n.º 427/89, sendo, por isso, nula, mas mantendo-se, de facto, essa relação de trabalho aquando da entrada em vigor da Lei n.º 23/2004 (em 22 de Julho de 2004), deverá apurar-se, face aos normativos legais desta constantes, se a mesma poderia continuar, agora de forma válida, com as legais consequências. IV – A contratação nos termos da Lei n.º 23/2004, exige que a celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado observe a forma escrita, sob pena de nulidade (artigo 8.º), que exista, para o efeito, por parte das pessoas colectivas públicas que contratam, um quadro de pessoal próprio e a contratação seja feita nos limites desse quadro (artigo 7.º), e que exista um processo prévio de selecção, de que se destaca a publicitação da oferta de trabalho e a decisão de contratação fundada em critérios objectivos de selecção (artigo 5.º). V – Cabe ao trabalhador, como facto constitutivo do direito a ser considerado trabalhador por tempo indeterminado, a alegação e prova de que o acordo de vontades fonte da relação laboral que vigorou entre as partes foi reduzido a escrito, que houve o processo prévio de recrutamento e selecção com vista à sua contratação e que no organismo público que o contratou existia o referido quadro de pessoal próprio. VI – Não tendo sido feita a prova desses factos, não pode o contrato de trabalho por tempo indeterminado, nulo, convalidar-se por força da entrada em vigor da Lei n.º 23/2004. VII – Para que o exercício do direito seja considerado abusivo não basta que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. VIII – A invocação de nulidade do contrato de trabalho, por parte do empregador, não configura abuso do direito, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 334.º do Código Civil, no circunstancialismo em que se apura que a relação profissional entre as partes, que se manteve durante cerca de sete anos, foi qualificada, posteriormente à sua cessação, como de trabalho por tempo indeterminado, nulo por inadmissibilidade legal, mas que, ainda durante a sua vigência, perante a alteração do quadro normativo legal (entrada em vigor da Lei n.º 23/2004), passou a ser admissível, desde que verificados os requisitos mencionados em IV., se estes não dependiam apenas da iniciativa e vontade do empregador. IX – Em virtude da nulidade do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, produzindo embora efeitos, como se fosse válido, em relação ao tempo em que esteve em execução, não é possível a reintegração do trabalhador. X – Tendo o Réu se conformado com a decisão da 1.ª instância, na parte em que, apesar de declarada a nulidade do contrato, se reconheceu ao trabalhador o direito à indemnização de antiguidade, a sentença transitou em julgado nessa parte, não podendo, na revista, discutir-se tal direito, em face do disposto no n.º 4 do artigo 684.º do Código de Processo Civil. XI – Justifica-se uma indemnização ao trabalhador de trinta dias de retribuição base por cada ano de antiguidade, constatando-se que ele foi despedido sem precedência de qualquer procedimento adequado a permitir a extinção da relação laboral, mas que havia sido admitido a prestar a sua actividade, sob o regime de «prestação de serviço» – tendo permanecido a controvérsia sobre a natureza da relação estabelecida entre as partes até ser proferida a decisão da 1.ª instância que a caracterizou como relação de trabalho subordinado por tempo indeterminado –, subsistindo a execução do contrato cerca de sete anos.
Recurso n.º 1982/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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