ACSTJ de 19-11-2008
Resolução pelo trabalhador Falta de pagamento da retribuição Mora Poderes de representação Indemnização de antiguidade Trabalho suplementar Inversão do ónus da prova
I – A revogação pelo Código do Trabalho do regime especial constante da Lei dos Salários em Atraso (Lei n.º 17/86, de 14 de Junho) pôs fim à coexistência de regimes aplicáveis, passando a cessação do contrato pelo trabalhador com fundamento em não pagamento da retribuição a reger-se, em qualquer caso, pelo disposto no artigo 441º do Código do Trabalho. II – Não obstante a genérica enunciação da exemplificada situação de justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador (artigo 364º do Código do Trabalho), não se pode sustentar, sem mais, que um não pagamento pontual da retribuição (imputável, ou não, a título de culpa ao empregador) vai criar no trabalhador o direito (recte a faculdade) de cessar imediatamente o contrato de trabalho, com a corte consequencial que decorre, nomeadamente, do nº 1 do artigo 443º, do mesmo diploma legal. III – A mora do empregador quanto ao pagamento da retribuição, desde que lhe seja culposamente imputável, desencadeia, ex vi do nº 1, do artigo 364º, a obrigação de pagar juros de mora. IV – Se decorrerem quinze dias sobre a data em que deveria ocorrer o pagamento da retribuição, ao trabalhador assiste a faculdade de suspender a execução das obrigações que para ele advinham do negócio jurídico-laboral celebrado, mediante comunicação ao empregador (e também à Inspecção-Geral do Trabalho), com a antecedência mínima de oito dias em relação a data do início da suspensão (nº 2 do artigo 364º). V – Ocorrendo falta de pagamento da retribuição, quer seja ela imputável, ou não, a título de culpa ao empregador, e se essa falta se prolongar por período de sessenta dias sobre a data do vencimento, pode o trabalhador resolver o contrato de trabalho com base em justa causa, tendo, inter alia, direito à indemnização a que alude o artigo 443º do Código do Trabalho. VI – Não é literalmente exigido pelo nº 2 do artigo 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que a declaração a emitir pelo empregador no sentido de se prever o não pagamento do montante da retribuição em falta até ao prazo de sessenta dias sobre a data do respectivo vencimento o seja, no caso de esse empregador ser uma pessoa colectiva, por quem tem, juridicamente, poderes para o vincular. VII – A conjugação do nº 1 do artigo 441º com o nº 1 do artigo 442º, ambos do Código do Trabalho, apontam no sentido de, ocorrendo um facto instantâneo subsumível a uma das situações de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, poderá este, na declaração de resolução, transmitir que a sua eficácia se produza até final do prazo consagrado na segunda parte daqueles normativos legais, caso essa declaração seja formulada antes de esgotado esse prazo. VIII – Em conformidade com as duas proposições anteriores, não impede a validade da resolução do contrato pelo trabalhador, antes de terem decorrido sessenta dias desde a data do vencimento da retribuição não paga, o facto de ao trabalhador ter sido emitido e entregue um escrito, declarando o salário em dívida e que não era previsível o seu pagamento, por um membro do Réu que, por si só, não tinha poderes para o vincular, ou de o trabalhador transmitir na carta de resolução do contrato de trabalho, que a resolução operaria no prazo de dez dias a contar da remessa daquela. IX – O não cumprimento da obrigação do pagamento da retribuição ao trabalhador, mesmo que, objectivamente, não censurável de modo acentuado, representa uma das formas mais graves de incumprimento, ou de não pontual cumprimento do negócio jurídico aprazado entre o empregador e o trabalhador, do mesmo passo que representa um gravame situacional para este último. X – Justifica-se uma indemnização computada em trinta dias de vencimento por cada ano completo de antiguidade a uma trabalhadora com mais de 29 anos ao serviço do empregador, que progrediu no seio da sua organização, vencendo, ultimamente, a quantia mensal de € 706,14, acrescidos de € 74,15, a título de diuturnidades, € 3,50, a título de subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho e € 20,99, a título de abono para falhas. XI – A obrigação de registo do trabalho suplementar que impende sobre o empregador visa permitir às autoridades competentes a fiscalização da sua prestação e da admissibilidade ao seu recurso pelo empregador, e não permitir ao trabalhador a prova do número de horas de trabalho suplementar prestado, prova esta que pode ser feita por qualquer outro meio de prova que legalmente seja admissível. XII – Daí que a falta de registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador não determine a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, cumprindo, por isso, ao trabalhador a prova deste facto.
Recurso n.º 1871/08 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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