ACSTJ de 12-11-2008
Despedimento sem justa causa Infracção disciplinar Ónus da prova Princípio da proporcionalidade
I – Deve ter-se por violadora dos deveres laborais previstos nas alíneas b), e) e g) do n.º 1 do art. 20.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), a conduta da trabalhadora que alberga um gato no armazém de um hipermercado pertencente ao seu empregador, maxime quando a actividade deste inclui a armazenagem de diversos produtos de natureza alimentar destinados ao consumo público – sendo a higiene das denominadas “instalações alimentares” objecto da cuidada regulamentação constante do Regulamento de Higiene dos Géneros Alimentícios aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/98, de 18 de Março, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 425/99, de 21 de Outubro –, ainda que a caixa contendo o gato tenha sido colocada na zona “não alimentar” do armazém. II – A mesma trabalhadora, ao utilizar toalhas turcas e lençóis provenientes de “quebras” (produtos retirados da venda ao público por apresentarem problemas de embalamento, deterioração, ou outros) para proteger o gato dentro da caixa em que o acomodou, não observou os deveres laborais previstos nas alíneas b)e f) do citado art. 20.º, n.º 1, por se tratar de bens que não lhe pertenciam, mas ao seu empregador, usando-os para finalidades distintas da correcta execução do contrato. III – A dúvida quanto a saber quanto a saber se as toalhas turcas e lençóis utilizados na caixa estavam destinados a serem recuperados e colocados à venda, deve resolver-se contra a parte onerada com a prova de que a conduta da trabalhadora lhe causou prejuízos, ou seja, contra o empregador (artigos 12.º, n.º 4, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil). IV – Para integrar o conceito indeterminado de justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais, sendo ainda necessário que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objectivo e iluminado por uma perspectiva de proporcionalidade dos interesses em causa, a subsistência da relação laboral se torne insustentável, intolerável, ou vulneradora do “pressuposto fiduciário do contrato”, sendo que, naquela apreciação, deve ser ponderado todo o circunstancialismo rodeador do objectivo desrespeito. V – A sanção expulsiva deve ser reservada a situações extremas, em que não seja razoavelmente equacionável a aplicação de uma qualquer outra sanção conservatória. VI – Embora possa ser merecedor de alguma censura, o acolhimento e tratamento pela trabalhadora, durante um período de três dias, de um gato, com pouco tempo de vida, encontrado no armazém em estado de extrema fraqueza e debilidade, sem conseguir andar, tal comportamento não justifica a adopção da sanção mais gravosa do despedimento imediato, mostrando-se adequada ao restabelecimento da disciplina laboral uma sanção de cariz conservatório.
Recurso n.º 1297/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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