ACSTJ de 22-10-2008
Despedimento Declaração negocial Declaração receptícia Abuso do direito
I -O despedimento promovido pela entidade empregadora traduz-se numa declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, do referido Código. II - A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora. III - A declaração negocial vale com o sentido de um declaratário normal, medianamente instruído e diligente que a lei toma como padrão, e que se exprime não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. IV - Vigorando entre o Autor e a Ré, desde 1 de Outubro de 1989, um contrato, nos termos do qual esta confiou àquele o exercício das funções docentes na Universidade (da Ré), com a categoria de Professor Auxiliar, competindo-lhe a regência das disciplinas que lhe fossem atribuídas no início do ano lectivo, não configura despedimento a comunicação, contida na carta dirigida ao Autor, assinada pelo Director da Faculdade de Direito da Universidade da Ré, datada de 23 de Setembro de 2003, que aquele recebeu no dia 30 desse mês, e que no fundo da última página continha a menção “C/c. conhecimento ao Conselho de Administração”, em que após descrever comportamentos do Autor, ali qualificados como infracções ao Regulamento Geral de Avaliação de Conhecimentos em vigor na Universidade, termina afirmando que a «Direcção da Faculdade de Direito, ponderada a gravidade dos factos, dispensa do serviço docente (…) [o Autor] ». V - A referida carta revela, apenas, para um declaratário normal colocado na posição do demandante, uma decisão da “Direcção da Faculdade de Direito” de dispensá-lo do serviço docente nesse departamento da Universidade – estabelecimento de ensino cuja manutenção e regular funcionamento cabia à Ré –, mas não de fazer cessar o vínculo de trabalho com esta. VI - E a autoria da decisão, mesmo que fosse possível interpretá-la como revelando um despedimento, não podia, face ao teor da comunicação, ser atribuída ao Conselho de Administração da Ré, órgão competente para contratar docentes e, por consequência, fazer cessar contratos, o que não podia serignorado pelo Autor, que, sendo docente de uma Faculdade de Direito, deveria, na interpretação da carta, se não afastar o sentido de ela conter a expressão da vontade da Ré de extinguir o contrato, pelo menos, cogitar sobre o real significado dos efeitos da decisão nela contida quanto ao futuro da relação contratual. VII - Na situação descrita, ainda que os termos em que foi redigida a carta e a posição institucional de quem a assinou pudessem suscitar dúvidas sobre o destino do vínculo contratual e sugerir um implícito ou subentendido desígnio de despedimento por parte da Ré, sempre ao Autor cumpria diligenciar no sentido de recolher, junto do órgão competente, todos os elementos que auxiliassem a descobrir qual a real intenção da Ré, quanto ao referido vínculo, o que não fez. VIII – Tendo o Autor, cerca de três semanas depois de ter recebido a referida carta, em missiva dirigida ao Director de outra Faculdade da mesma Universidade, em que subordinou a aceitação do convite que lhe fora dirigido para nela leccionar a determinadas condições, aludido ao afastamento das funções na Faculdade de Direito, sem o imputar à Ré e sem inequivocamente o caracterizar como despedimento, e, em carta dirigida, cerca de três meses depois, ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, afirmado que aguardara, até então, uma palavra deste, e que era sua convicção que não haveria para ele lugar na Universidade, no Porto, instituição onde não pretendia tornar, sem qualificar o referido afastamento, não é seguro afirmar-se que ele tenha entendido a carta do Director da Faculdade de Direito como declaração de despedimento. IX – A não atribuição de funções e a falta de pagamento da retribuição, posteriormente à dispensa de funções comunicada pela carta que o Autor recebeu em 30 de Setembro de 2003, podendo configurar violação de deveres contratuais, por parte do empregador, susceptível de fundar a rescisão/resolução com justa causa pelo trabalhador [artigos 34.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, alínea a) e b), do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-/89, de 27 de Fevereiro, e 441.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho], não têm virtualidade para, no quadro das vicissitudes do relacionamento entre as partes acima descrito, sustentar, com segurança, a conclusão de que, por tais atitudes, a Ré quis, por sua iniciativa, fazer cessar o contrato, a partir da referida comunicação. X - Não configura abuso de direito, por parte da Ré, o facto de vir invocar os dizeres da carta datada de 23 de Setembro de 2003 e uma interpretação do seu sentido – a mera dispensa do exercício de funções na Faculdade de Direito –, em contraposição a outra interpretação – o despedimento –,alegando, além do mais, que o Autor não desconhecia que o subscritor da carta carecia depoderes para vincular a Ré quanto a uma eventual cessação da relação laboral, e, assim, impugnando a existência do despedimento, cuja prova competia ao Autor.
Recurso n.º 1034/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Alves Cardoso Bravo Serra
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