ACSTJ de 22-10-2008
Violação de regras de segurança Ónus da prova Equipamentos de trabalho Estabelecimentos industriais Descaracterização de acidente de trabalho Negligência grosseira
I -A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objectivo de cuidado, podendo assumir diferentes graus, em função da ilicitude e da culpa: será levíssima, quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado, será leve quando o parâmetro atendível fôr o de uma pessoa normalmente diligente e será grave quandoa omissão corresponder àquela em que só uma pessoa excepcionalmente descuidada e incauta também teria incorrido, a esta última correspondendo a “negligência grosseira” descaracterizadora do acidente de trabalho, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13-09. II - A par de um tal comportamento, esta hipótese excludente da responsabilidade exige que o acidente tenha resultado “exclusivamente” desse comportamento gratuito e de todo infundado. III - Não é passível de um indesculpável reparo, nem de uma insustentável gratuitidade, a conduta irreflectida e precipitada de um manobrador que, não obstante saber que em caso de soltura do cabo de aço da máquina em que operava podia pará-la imediatamente antes de providenciar pela sua reparação (bastando-lhe pressionar um dos botões vermelhos situados no painel de comando onde desenvolvia a sua actividade), e porque trabalhava com a máquina há já algum tempo, resolveu recolocar o cabo de aço dentro da roldana avançando para cima do corpo da máquina com a mesma em funcionamento e veio a desequilibrar-se, entalando o pé nas correntes em funcionamento. IV - Excluem a negligência grosseira as omissões resultantes da habituação ao perigo do trabalho executado ou da rotina de procedimentos bem sucedidos, que induzem à confiança na experiência profissional. V - Da conjugação dos artigos 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março, relativo às prescrições mínimas de segurança para utilização pelos trabalhadores de equipamentos móveis, e 40.º e 44.º do Regulamento Geral de Higiene e Segurança no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro, com as alterações constantes da Portaria n.º 702/80, de 22 de Setembro, decorre que as exigências de segurança, no que concerne à protecção de elementos móveis de equipamentos, se satisfazem, em alternativa, mediante a colocação de “protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas” ou através da instalação de “dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”, o que significa que a lei não impõe a utilização, cumulativa, das duas formas de protecção, bastando-se com a existência, por exemplo, de dispositivos de paralisação do movimento dos elementos móveis. VI - O n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 82/99, ao dispor “[o]s elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”, não exige que os dispositivos interruptores do movimento dos elementos móveis devam ter natureza “automática”, no sentido de actuarem independentemente da manipulação que dependa da vontade humana, tendo em atenção o que dispõe o terceiro segmento da norma do n.º 1 do artigo 44.º do Regulamento, segundo o qual os dispositivos devem funcionar “automaticamente ou com um mínimo de esforço”. VII-Não pode afirmar-se a violação de regras de segurança por parte do empregador no acidente descrito em III, mostrando-se cabalmente observada uma das alternativas legalmente facultadas sobre os mecanismos de segurança exigíveis, uma vez que a máquina estava equipada com um dispositivo de segurança destinado a interromper o movimento dos seus elementos móveis, sendo que a activação desse dispositivo, situado no próprio posto de comando em que laborava o sinistrado, não exigia qualquer esforço, o que tudo era do conhecimento do sinistrado. VIII - As obrigações e procedimentos a adoptar em matéria de certificação, homologação ou avaliação de conformidade de máquinas ou dos respectivos componentes de segurança prescritas no art. 5.º do DL n.º 320/2001, recaem, sucessivamente, sobre o fabricante, sobre quem comercializa a máquina ou os seus componentes de segurança e sobre quem procede à sua montagem. IX - A dúvida probatória sobre quem preparou a máquina em causa para descascar e cortar toros de madeira e para a acoplar a um veículo pesado, reverte contra o sinistrado e a seguradora. que invocaram na acção a violação de regras de segurança por parte do empregador.
Recurso n.º 935/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis
|