Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 22-10-2008
 Descaracterização de acidente de trabalho Violação de regras de segurança Ónus da prova
I -Para se poder afirmar que um acidente de trabalho proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13-09 (LAT), haverá que verificar-se, cumulativamente, a existência de dois requisitos, quais sejam um comportamento temerário em elevado grau, e a adequação dele, exclusiva, à eclosão do sinistro.
II - Não poderá ter-se por “descaracterizado” o acidente, mesmo no caso de o sinistrado ter adoptado um comportamento que seja revelador de uma falta de cuidado ou de atenção para que esse evento não se desencadeie, se, porventura, a par desse comportamento, outras circunstâncias subsumíveis a uma falta de cumprimento, por parte do empregador, das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, forem também adequadas à eclosão do acidente, por não se poder então dizer que aquele comportamento foi exclusivo quanto à falada produção.
III - Recai sobre as entidades seguradoras, a fim de «beneficiarem» da estatuição do art. 37.º, n.º 2 da LAT, o ónus de alegação e prova do circunstancialismo de onde decorra que o evento tem de ser subsumido a falta de observação de regras de segurança no trabalho, pois que, assim, a respectiva responsabilização ficará acentuadamente diminuída, modificando, em termos qualitativos e quantitativos, a obrigação advinda da regra geral ínsita no n.º 1 do aludido art. 37°.
IV - Decorre dos números 1 e 2 do item 18.º da Portaria n.º 987/93, de 06-10 que, mostrando-se necessária a existência de vestiários, “estes devem estar situados em local de acesso fácil” e “ser bem iluminados e ventilados”.
V - Não pode afirmar-se que se apresentasse em termos contrários a esta regra a plataforma do posto de turismo em que foi improvisado o «camarim» onde a sinistrada se caracterizou para proceder a uma animação de rua como face paiting, se não vem demonstrado que o espaço a tal fim destinado não fosse de acesso fácil (o acesso era efectuado pelas traseiras do posto de turismo), ou que se não apresentasse bem iluminado, antes se tendo provado que o acesso ao exterior se não efectuava pela «ponte aérea» sem iluminação e sem protecção lateral, que ligava aquela plataforma a uma outra que não estava a servir como camarim.
VI - Assim, não pode imputar-se a violação daquela norma o acidente que se deu quando a sinistrada se deslocou àquela «ponte aérea», enquanto aguardava pelo colega e efectuava um telefonema por telemóvel, vindo a cair da mesma enquanto nela caminhava.
VII - Não se demonstrando que o específico espaço destinado à improvisação do «camarim» apresentava características que, quer por ele, quer pelo seu acesso, importavam risco de queda, não se impunha ao empregador o dever de prevenir tal risco (art. 8.º do DL n.º 441/91, de 14-11), nada permitindo que se afirme, seja a postergação de regras específicas (ou genéricas) sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, seja que, mesmo que essa postergação tivesse ocorrido, o acidente fora necessariamente desencadeado em face da inobservância das citadas regras.
VIII - À míngua de dados fácticos permissores da conclusão de que a sinistrada era conhecedora das características do espaço que se situava para além da plataforma onde se encontrava improvisado o «camarim», não se pode afirmar que a mesma, ao enveredar por esse espaço (ponte sobre um espaço vazio de cerca de 4,5 metros, que descrevia uma ligeira curva, sem qualquer protecção ou iluminação), estava a prosseguir um comportamento que uma pessoa minimamente cauta e cuidada não iria levar a efeito, e isso por sorte a se poder outrossim afirmar que a sua actuação foi acentuadamente temerária e configura um comportamento grosseiramente negligente.
Recurso n.º 2275/08 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator) Mário Pereira Sousa Peixoto