ACSTJ de 10-09-2008
Contrato de seguro Responsabilidade subsidiária Benefício da excussão prévia Empregador Insolvência FAT
I -Por força do contrato de seguro, a obrigação de reparar os danos emergentes de acidente de trabalho, é transferida, no âmbito da responsabilidade objectiva, que radica no vínculo laboral, para a entidade seguradora, com a consequente desoneração da entidade empregadora, quando o sinistro resulte dos riscos normais da execução do contrato de trabalho (artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – LAT). II - Porém, de acordo com as disposições combinadas dos artigos 37.º, n.º 2, e 18.º, n.º 1, da LAT, se a causa do acidente for um facto ilícito imputável à entidade empregadora (ou ao seu representante), o dever de indemnizar, então inserido na responsabilidade subjectiva, que compreende prestações calculadas já não com base numa percentagem da retribuição (prestações normais), mas sobre a totalidade dela (prestações agravadas), recai sobre a entidade empregadora. III - Nesta situação, a instituição seguradora será subsidiariamente responsável pelas prestações normais, o que significa que, caso a entidade originariamente obrigada não cumpra, à seguradora incumbe o dever de reparar assumido por via do contrato de seguro. IV - O artigo 27.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936 impunha que se o acidente resultasse da falta de observância das disposições legais sobre higiene e segurança dos lugares de trabalho e profilaxia dos acidentes, ou se pelas entidades patronais ou quem a representasse fosse dolosamente ocasionado, tendo sido transferida a responsabilidade de acidentes de trabalho para uma instituição seguradora, esta apenas respondia subsidiariamente pelos encargos normais provenientes do acidente, depois de excutidos os bens da entidade patronal. V - Esta solução, quiçá por dificultar a efectiva realização da tutela do direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho -reconhecidamente de interesse público -, na medida em que sujeitava os beneficiários do seguro a agir, em primeiro lugar, contra o tomador do seguro, e só depois de esgotado o património deste, a interpelar a seguradora, foi abandonada pela Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que, mantendo a referência à responsabilidade subsidiária da instituição seguradora, em termos limitados, deixou de a condicionar à prévia excussão de bens da entidade patronal, o que também sucede com a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. VI - Esta evolução legislativa, no intuito de facilitar, em tempo útil, a minimização dos prejuízos advenientes para os sinistrados, e, em muitos casos, prover à sua subsistência e/ou dos seus familiares, pretendeu eliminar um obstáculo que se opunha àquele desiderato de celeridade, possibilitando que, face ao mero incumprimento por parte do devedor principal, fosse permitido interpelar a seguradora, como devedora secundária ou complementar, sem que esta possa invocar o benefício da excussão, gozando, apenas, do direito de regresso contra aquele. VII - Neste sentido, por contrariar a garantia consignada no segmento do n.º 2 do artigo 37.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro (segundo a qual, a seguradora, perante o incumprimento da entidade empregadora, logo que interpelada, deve efectuar as prestações na medida que lhe competir, em função do contrato de seguro), deve considerar-se inválida a referência feita na “Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho de Trabalhadores por Conta de Outrem”, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, quando estabelece no n.º 2 do seu artigo 21.º, por referência à alínea b) do n.º 1, que, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observância das regras sobre higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho, a seguradora responde subsidiariamente, “depois de executados os bens do tomador do seguro (…)”. VIII - Assim, a obrigação da seguradora, relativamente às prestações normais, só não é exigível enquanto o seu valor, integrado na obrigação especial da empregadora, for por esta pago, passando a sê-lo logo que, seja ou não por incapacidade económica da primitiva devedora, o beneficiário deixe de o receber. IX - No que respeita ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), a sua intervenção depende da verificação da incapacidade económica dos responsáveis (ou outros motivos conducentes à impossibilidade de cobrança), aqui se compreendendo, tanto o devedor primário como o devedor secundário. X - Por isso, estando em causa o pagamento da totalidade do valor das “prestações normais” em que fora condenada a entidade empregadora insolvente, no âmbito da vigência da primitiva redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, mantendo-se a capacidade económica da seguradora, não deve o FAT ser chamado a satisfazer essas “prestações normais”.
Recurso n.º 6/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
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