ACSTJ de 10-09-2008
Nulidade de sentença Omissão de pronúncia Ampliação da matéria de facto Princípio do dispositivo Factos instrumentais Factos complementares Caducidade do contrato de trabalho Impossibilidade superveniente Impossibilidade absoluta Impossibilidade
I -A nulidade por omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, consiste no incumprimento do dever que ao juiz incumbe de, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, bem como aquelas cujo conhecimento oficioso lhe seja imposto por lei (artigo 660.º, n.º 2). II - O referido preceito (artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte) não se aplica ao julgamento da matéria de facto, mormente à omissão de procedimentos a adoptar no sentido de serem apurados e/ou considerados factos que, não tendo sido articulados, possam ser atendidos na sentença por se mostrarem essenciais para a resolução dos temas decidendos. III - Em relação aos factos instrumentais, que, tendo sido objecto de produção de prova, resultem demonstrados, a lei opera um desvio ao princípio do dispositivo, mediante o poder-dever de o tribunal os tomar em consideração, ainda que não alegados e independentemente da parte interessada manifestar a vontade de deles se aproveitar, pressupondo o artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo civil, quando utiliza a expressão «resultem da instrução e discussão da causa», o exercício do contraditório na produção da prova. IV - Relativamente aos factos complementares ou concretizadores de factos constitutivos do direito invocado na acção, ou impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, indispensáveis à viabilidade da pretensão do autor ou da defesa por excepção, vigora, em pleno, o princípio do dispositivo, mesmo considerando a regra contida no artigo 72.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, dado que a sua atendibilidade não deixa de estar dependente da essencialidade daqueles que complementam ou concretizam. V - Estando em causa um facto (reforma da autora) concretizador da natureza da relação jurídica (contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços), que apenas na audiência de discussão e julgamento veio a ser referido por uma testemunha, não tendo a parte (ré) manifestado nessa fase processual, vontade de dele se aproveitar, estava vedado ao tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 264.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tomá-lo em consideração na decisão ou, a coberto do disposto no n.º 1 do artigo 653.º, do mesmo diploma legal, ordenar diligências de prova, pois que este último preceito apenas contempla os casos em que ao tribunal, após o encerramento da discussão, se suscitem dúvidas quanto ao veredicto sobre factos de que possa tomar conhecimento, o que não sucede relativamente a factos essenciais, não articulados, aflorados durante a discussão da causa, se a parte interessada nada requer. VI - É de qualificar como de trabalho a relação que vigorava entre a autora e a ré, nos termos da qual aquela trabalhava nas instalações desta (Casa de Saúde), cinco dias por semana, cumprindo, em regra, um horário completo, estabelecido pela enfermeira-chefe e afixado na empresa, desempenhando concretamente as funções de enfermagem ou auxiliar de enfermagem sob a orientação e superintendência da enfermeira-chefe, da qual dependia hierárquica e funcionalmente, e que definia os serviços concretos nas diferentes áreas e zonas da ré, sendo todos os instrumentos e meios de trabalho da ré, e recebendo, como contrapartida um pagamento à hora, efectuado no final de cada mês, mediante a contabilização das horas de serviço efectivamente prestado. VII - Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril, que criou a Ordem dos Enfermeiros, o exercício da profissão de enfermagem passou a estar dependente da inscrição na Ordem, à qual passou a competir a emissão da respectiva cédula profissional, condicionante daquele exercício. VIII - Relativamente aos trabalhadores que, à data da entrada em vigor daquele Decreto-Lei, já exerciam funções de enfermagem em regime de contrato de trabalho, a sua falta de inscrição na Ordem constitui uma impossibilidade superveniente e absoluta de prestarem o trabalho a que estavam obrigados por força do contrato e, no caso de ser definitiva, acarreta a caducidade do mesmo. IX - A impossibilidade deve ter-se por definitiva, se a cessação do impedimento, ainda que virtualmente possível, se apresenta de tal modo improvável, quanto à sua verificação, e incerta quanto ao momento, que não é razoável prever, em termos de evolução normal, que o impedimento venha a mostra-se afastado em tempo de poder satisfazer minimamente o interesse do empregador. X - Necessitando o trabalhador de tirar o curso de enfermagem para se poder inscrever como membro efectivo da Ordem, deve ter-se por definitiva a impossibilidade.
Recurso n.º 12/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
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