ACSTJ de 10-09-2008
Contrato de trabalho Contrato de prestação de serviços Sucessão de leis Professor universitário Ensino superior particular e cooperativo Regime jurídico Indícios de subordinação jurídica Reintegração
I -A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo pode efectuar-se tanto através de um contrato de trabalho como de contrato de prestação de serviços, indiciando o n.º 2 do art. 24º do DL n.º 16/94, de 22.01 ser mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa. II - Para efeitos de qualificação contratual e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este diploma só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003. III - Verificam-se indícios suficientes de que as partes estiveram vinculadas através de um contrato de trabalho no seguinte circunstancialismo: a autora foi contratada verbalmente e subscreveu posteriormente sucessivos “contratos de docência” dos quais se infere uma evidente inserção da autora na organização e estrutura do estabelecimento de ensino e a sua sujeição a directrizes e regras internas próprias; estava obrigada a observar as deliberações da escola e os Estatutos (cujo regime do pessoal docente pressupõe uma estrutura de vinculação laboral, incluindo a cessação contratual por decisão proferida em processo disciplinar); os textos contratuais continham termos característicos de uma vinculação jus-laboral (categoria, vencimento); a contrapartida da actividade prestada era pré-determinada no início de cada semestre, calculando-se em função da carga horária estabelecida e do número de cadeiras leccionadas; eram emitidos recibos de vencimento; o horário era pré-determinado; a actividade era nas instalações da escola; o vencimento era pago mensalmente; a estava obrigada a obedecer ao programa e respeitar o plano de estudos; a sua actividade estava sujeita à coordenação do professor-coordenador; tinha a obrigação de elaborar livro de sumários e de comunicar as faltas; fazia parte do corpo docente da escola; estava incumbida de várias actividades relacionadas com o funcionamento da escola, além da docência propriamente dita; houve umacontinuidade da prestação ao longo dos anos, para além dos períodos contratuais e independentemente dos escritos que as partes iam subscrevendo; a ré sempre procedeu aos descontos legais para a Segurança Social e de IRS no vencimento que lhe pagava, custeando ainda um seguro de acidentes de trabalho; o Director da escola disse à autora que não receberia o seu salário se não assinasse o novo contrato de prestação de serviços; a remuneração auferida da ré era a base de subsistência da Autora. IV - Do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade. V - As dúvidas de qualificação que se verificam com particular expressão no domínio de actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, hoje crescentemente inseridas em estruturas organizacionais complexas, devem ser resolvidas no sentido da subordinação quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa. VI - .O exercício de prerrogativas laborais por parte do beneficiário da actividade -descontos legais para a Segurança Social e IRS e realização de seguro de acidentes de trabalho -tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar, na hipótese contrária, valor “negativo” excludente dessa qualificação. VII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral (e sem necessidade de recorrer à analogia ou à norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema nos termos do preceituado no art. 10º do C.Civil), a aplicabilidade ao contrato de trabalho do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação deste contrato no que diz respeito à obrigação de reintegração. VIII - A condenação da entidade titular da escola a reintegrar um docente não implica a interferência daquela entidade na distribuição do serviço docente da competência da instituição do ensino superior, cuja autonomia científica e pedagógica continua, assim, salvaguardada; a referida condenação não se traduz para a entidade titular em mais do que se traduzem as consequências naturais do exercício da sua atribuição estatutária de “contratar docentes” com uma específica categoria profissional.
Recurso n.º 2447/07 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator) Sousa Peixoto Sousa Grandão
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