ACSTJ de 10-07-2008
Contrato de prestação de serviços Contrato de trabalho Aplicação da lei no tempo Factos conclusivos Vendedor
I -A disciplina do Código do Trabalho é aplicável às relações jurídicas emergentes dos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor -art. 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o regime instituído pelo Código, na sua versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março. II - Todavia, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que o Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003, pelo que à qualificação de uma relação jurídica constituída em Setembro de 2002 se aplica o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT). III – Embora com objectos distintos e com ou sem a retribuição como elemento essencial, quer o contrato de trabalho quer o contrato de prestação de serviços pressupõem o desenvolvimento de uma actividade e o alcance de um resultado, uma vez que nem a actividade que o trabalhador se obriga a desenvolver, no contrato de trabalho, constitui um fim em si mesmo, já que visa a obtenção de certo resultado, nem a obtenção do resultado a que o prestador se vincula, no contrato de prestação de serviços, dispensa o desenvolvimento de certa actividade. IV – A pedra de toque da distinção entre as duas espécies de contratos reside na forma como a actividade é efectivamente exercida: com subordinação jurídica de uma das partes à outra, no primeiro caso; com autonomia da parte que desenvolve a actividade em relação à que beneficia do seu resultado, no segundo caso. V - Nas situações em que, no plano prático, a distinção não é imediata, é indispensável o recurso a indícios susceptíveis de revelar a existência do modelo típico do contrato. VI - Devem considerar-se não escritas, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do CPC, as expressões trabalhar “sob as suas ordens, direcção e responsabilidade”e“resolveu o contrato de trabalho”, quando na acção está justamente em litígio a questão de saber se determinado contrato é de natureza laboral, uma vez que já encerram em si a resolução da questão de direito. VII - Não pode afirmar-se a existência de um contrato de trabalho se a matéria de facto nada revela sobre a vinculação da autora a horário de trabalho, a existência de controlo externo da prestação, a obediência a ordens, a propriedade dos instrumentos de trabalho, a exclusividade da prestação, a sujeição à disciplina da empresa, o regime de faltas, o regime disciplinar, a repartição do risco e a filiação sindical, sendo ainda escassos os factos apurados para definir se a autora tinha o seu lugar ou cargo na organização empresarial da ré, e se prova que a autora recebia as quantias mensais correspondentes à execução do contrato directamente da única sócia da ré, com quem celebrou um denominado “contrato mercantil”, efectuando pagamentos para a Segurança Social como trabalhadora independente. VIII - Neste contexto, mesmo que fosse aplicável o Código do Trabalho, na versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, não se verificariam também, cumulativamente, os requisitos em que se funda a presunção de laboralidade prevista no seu art.12.º.
Recurso n.º 1426/08 -4.ª Secção Alves Cardoso (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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