ACSTJ de 02-07-2008
Impugnação da matéria de facto Constitucionalidade Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Prova documental Factos conclusivos Contradição Transmissão de estabelecimento Direito de oposição Justa causa de despedimento Dever de lealdade Dever de
I -O ónus alegatório prescrito no art. 690.º-A do CPC tem por objectivo evitar a impugnação genérica da decisão de facto, com a intolerável sobrecarga que daí adviria para o tribunal de recurso e o indesejável favorecimento de situações em que o meio impugnatório só é utilizado com intuito de mera dilação processual. II - A conformidade adjectiva da impugnação da matéria de facto traduz uma questão de direito: a de saber se o recurso se mostra conforme ao art. 690.º-A do CPC. III - Não deve ser rejeitado o recurso de apelação quando o recorrente, cumprindo integralmente as exigências contidas no 690.º-A, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 2, do CPC, impugna, ponto por ponto, toda a decisão da matéria de facto. IV - Os tribunais não devem apreciar questões de constitucionalidade insusceptíveis de apresentar relevância substancial no processo, por não terem qualquer interferência na decisão de mérito. V - A interpretação das disposições conjugadas dos arts. 712° n.º 1, alínea a) e n.º 2, 655° e 690.º-A do CPC, no sentido de que estes preceitos limitam o recurso sobre matéria de facto a erros clamorosos da 1.ª instância, não padece de inconstitucionalidade por violação dos art°s 20.º e 18°, n° 2, da Constituição da República, nem é desrazoável e desproporcionada. VI - A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, apenas o contendo no âmbito do processo penal (art. 32.º); em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer, uma vez que a Lei Fundamental prevê expressamente a existência de tribunais de recurso. VII - O erro de valoração da prova testemunhal produzida no processo e dos demais meios probatórios submetidos ao princípio da livre apreciação da prova não pode ser conhecido pelo Supremo. VIII - O erro na apreciação das provas decorrente da violação do preceituado no artigo 376.º do CC – que estabelece a força probatória dos documentos particulares – pode ser objecto do recurso de revista e, consequentemente, fundar a alteração da decisão da matéria de facto pelo STJ. IX - Porém, se o recorrente não precisa, minimamente, os documentos pertinentes e omite qualquer exercício de análise dos mesmos com referência à sua idoneidade para servirem de prova plena de factos concretos, limitando-se a exprimir, sem suporte argumentativo, um juízo conclusivo, fica inviabilizado o uso do poder do STJ de, com base na prova documental, alterar a decisão de facto. X - Contém-se nos poderes conferidos ao STJ uma censura recursória que se acoberte numa pretensa contradição apontada à decisão da matéria de facto, ou na alegação de que os mesmos têm carácter conclusivo. XI - Nos casos de transferência de estabelecimento comercial, o direito de oposição que a jurisprudência -comunitária e nacional -e a doutrina vêm reconhecendo ao trabalhador traduz-se no direito de o mesmo se opor a que seja transmitida para o adquirente, ou cessionário, a posição patronal no contrato individual de trabalho a que se vinculou e, não, no direito de se opor à própria realização do negócio de transmissão do estabelecimento. XII - No campo da própria realização do negócio poder-se-á, quando muito, reconhecer ao trabalhador um direito de crítica ou um direito a exprimir livremente as suas opiniões, direitos estes que – reflexo dos direitos de personalidade – têm sempre que ser exercidos com respeito pelos deveres que para o trabalhador emergem do vínculo laboral, nos termos das obrigações contratualmente assumidas e da lei. XIII-Integra justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador com a categoria de Director de Divisão que, após conhecer a intenção da ré de proceder à transferência da empresa em que laborava, e sem justificação, adopta ao longo de um período de cerca de 10 dias um conjunto de atitudes ofensivas da honra e consideração de representantes do empregador, de atitudes potencialmente lesivas dos interesses negociais desta e de atitudes perturbadoras do ambiente de trabalho, vindo na reunião ocorrida com o potencial comprador para apresentar a empresa a colocar exigências a satisfazer de imediato (não presença do seu superior hierárquico e apresentação noutra sala por alegada escuta ilícita) para fazer a apresentação que lhe estava cometida, deixando os representantes do empregador numa posição vexatória, de pressão e de submissão. XIV - Com estas violações graves e culposas dos deveres de respeito, urbanidade, obediência e lealdade, ficou definitivamente afastada a possibilidade de manutenção de uma relação de confiança entre as partes do contrato de trabalho. XV - A circunstância de o trabalhador estar há longo tempo ao serviço do empregador, actuando sem faltas, torna mais grave a violação dos seus deveres laborais, por representar um abuso da maior confiança que, devido à duração regular da prestação laboral, nele normalmente devia depositar o empregador. XVI - O trabalhador suspenso mantém intocado o direito à retribuição de base e a todos os demais componentes salariais que não estejam directamente relacionados com a efectiva prestação de trabalho, compreendendo-se neste direito o valor despendido no período suspensivo com o telemóvel para uso particular se, na pendência do contrato, o empregador atribuiu ao trabalhador um telemóvel para este utilizar tanto em serviço como na sua vida particular, suportando o empregador todas as despesas inerentes à sua utilização.
Recurso n.º 4752/07 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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