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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 13-07-2009
 Motivação do recurso Repetição da motivação Rejeição de recurso Acórdão da Relação Competência da Relação Fundamentação Homicídio Homicídio qualificado Motivo fútil Medida da pena Revista Medida concreta da pena
I -Quando a Relação nega provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1.ª instância ao não acolher a argumentação do recorrente, compreende-se que o recorrente retome as razões de crítica em relação ao acórdão do tribunal colectivo por entender que mantêm validade essas razões, mas não pode esquecer que a decisão recorrida é a da Relação, pelo que deve ser essa a decisão a impugnar, demonstrando como e porque errou esse Tribunal Superior, ao não acolher a argumentação perante ele deduzida, o que tudo deve ser feito à luz da decisão recorrida e não da decisão da 1.ª instância, sob pena de se estar perante falta de motivação do recurso toda a vez que não é verdadeiramente impugnado o acórdão recorrido.
II - Com efeito, quem recorre de uma decisão da Relação para o STJ deve especificar os fundamentos desse recurso – como lhe impõe o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP –, e não reeditar a motivação apresentada no recurso para a Relação, esquecendo-se de desenvolver qualquer fundamento para alicerçar a sua discordância com o ali decidido, confundindo a motivação do recurso interposto para o STJ com a que apresentou perante o tribunal de 2.ª instância, como se o acórdão da Relação não existisse. Não o fazendo, não existe impugnação relevante, o que implica a rejeição dos recursos nos termos dos arts. 412.º, n.° 1, 414.º, n.° 2, e 420.º do CPP.
III - Se o recorrente invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, mas se dispensa de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida crítica pelo STJ que não tem que (nem pode) desencadear uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de incumprimento daquele dever de fundamentação.
IV - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
V - Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença as funções de: -contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral; -permitir, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz; -constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere); e, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
VI - O art. 374.º, n.º 2, do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º, pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que, embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas, o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
VII - Se o tribunal não conseguiu compreender o motivo da actuação do agente, obviamente que não o pode qualificar de fútil. Mas o mesmo já não é verdade quando o tribunal compreende que o agente agiu sem qualquer motivo, como recentemente aconteceu com os chamados “homicídios aleatórios”, caso em que “nenhum motivo” deve ter o tratamento de “motivo fútil”, que sendo um “fraco” motivo já está acima do “não motivo”.
VIII - Provando-se que o arguido, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro, abriu a porta a pontapé e, aberta a mesma, acto contínuo, disparou um tiro de arma de fogo, em direcção do ofendido, atingindo-o na cabeça e provocando-lhe a morte, fica afastada a alegação de que se não apurou o motivo da acção, o que impediria a sua qualificação como fútil.
IX - Mas, encontrado o motivo pelo qual agiu o recorrente – aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro –, importa ver se o mesmo, como entenderam as instâncias, é fútil.
X - Não merece qualquer censura a qualificação do homicídio praticado pelo recorrente, designadamente por ter agido por motivo fútil, se ele matou a tiro de arma de fogo disparada a curta distância um velho de 89 anos, seu conhecido de muitos anos, de madrugada na casa deste, quando ele, frágil e indefeso, se encontrava apenas acompanhado da mulher, igualmente idosa, depois de a vitima o ter auxiliado emprestando-lhe uma ferramenta às 3h30, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro que lhe pedira agressivamente.
XI - É um motivo claramente desproporcionado, inadequado face à génese do crime e ao modo de execução, que torna este incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana, insensibilidade moral traduzida na brutal malvadez do agente.
XII - Entende-se hoje que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (arts. 70.º a 82.º do CP): aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cf. arts. 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do CP dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
XIII - Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, cabendo então apreciar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.
XIV - Já tem considerado, por outro lado, este STJ e a doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
XV - Atendendo: -ao grau de ilicitude do facto, ou seja, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação de deveres impostos ao agente (consideravelmente elevado atentas as circunstâncias da acção: o arguido acordou a idosa vítima (89 anos) às 3h30, sabendo que estava a dormir com a mulher igualmente idosa, e como ela se recusasse a dar-lhe dinheiro, depois de lhe ter prestado ajuda, abriu a porta a pontapé, entretanto fechada pela vítima, e sem mais desferindo-lhe um tiro na cabeça, sem qualquer possibilidade de defesa, matando-a, não sem que esta tenha tido consciência que ia morrer); -à intensidade do dolo (o dolo foi directo e intenso); -aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram (o arguido desde pequeno que conhecia o ofendido e sabia que este tinha 89 anos de idade e que estava a dormir com a mulher igualmente idosa e frágil, pediu-lhe ajuda e como a sua exigência de dinheiro não tivesse sido satisfeita disparou-lhe um tiro na cabeça, matando-o; pretendia pois apoderar-se de dinheiro que o ofendido tivesse e demonstrou um completo desprezo pelas condições do ofendido e uma enorme agressividade); -às condições pessoais do agente e à sua situação económica (nasceu numa família de escassos recursos económicos, os pais emigraram para a Alemanha, tendo o arguido permanecido em Portugal aos cuidados dos avós maternos; o arguido não completou o 7.º ano de escolaridade e, desde então, passou a dedicar-se à actividade de pastoreio com os rebanhos de familiares, consumindo regularmente álcool desde os 13 ou 14 anos de idade, em quantidades normalmente excessivas, bem como haxixe); -à conduta anterior ao facto e posterior a este (não tem antecedentes criminais, adoptou um estilo de vida marcado pela dependência de substâncias etílicas, o que se repercute negativamente no comportamento social que então adoptava e que ainda se faz sentir ao longo do período de execução da medida de prisão preventiva); -à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (o percurso de vida do aqui arguido foi marcado pela ausência de uma figura de autoridade, facto que parece ter estado aliado a algum desinvestimento afectivo por parte dos progenitores, o que terá levado a que o seu desenvolvimento fosse tutelado pelos avós, pessoas já idosas, que não terão conseguido transmitir ao arguido os limites necessários a uma vida socialmente integrada; desta forma, o arguido sempre terá tido grande autonomia para gerir o seu quotidiano, facto para o qual não revela as competências necessárias, adoptando um estilo de vida marcado pela dependência de substâncias etílicas, o que se repercute negativamente no comportamento social que então adoptava e que ainda se faz sentir ao longo do período de execução da medida de prisão preventiva); afigura-se adequada a redução de 15 anos para 13 anos de prisão, da pena aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e e), do CP.
Proc. n.º 59/07.0GCVPA.S1 -5.ª Secção Simas Santos (relator) ** Santos Carvalho Carmona da Mota
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