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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-07-2009
 Recurso da matéria de facto Erro notório na apreciação da prova Competência da Relação Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Livre apreciação da prova Nulidade insanável Ónus da impugnação especificada Princípio do contraditório Princíp
I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VI - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.
VII - No caso de impugnação da matéria de facto nos termos dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.°, al. b), do CPP.
VIII - Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento parcelar, de via reduzida.
IX - A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica”, no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
X - A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
XI - No recurso interposto para o Tribunal da Relação as arguidas limitaram-se a manifestar a sua discordância relativamente à matéria de facto dada por provada; de forma expressa (e mesmo implícita), não invocaram qualquer dos vícios decisórios previstos no n.° 2 do art. 410.° do CPP, não tencionaram lançar mão do instrumento reactivo concedido pelo artigo 412.°, n.°s 3 e 4, do CPP, nem procuraram sindicar a matéria de facto fixada pelo Colectivo pelas duas vias possíveis.
XII - Ao tribunal restava a verificação oficiosa dos vícios previstos no n.° 2 do art. 410.° do CPP – fora desse quadro, tal como se apresentava o recurso, pareceria conduzir à manifesta improcedência e rejeição; diverso foi o entendimento da Relação que reviu a decisão ao nível da matéria de facto (tendo por base as declarações documentadas e transcritas), modificando amplamente a matéria de facto com a consequência de absolvição das arguidas, o que não pode deixar de constituir surpresa para os assistentes, que não haviam sido confrontados com um tal objecto de recurso, a que não puderam opor os seus pontos de vista e dar contributo para a conformação global do tema a decidir, com o que claramente foi violado o princípio do contraditório.
XIII - Verifica-se, assim, excesso de pronúncia face ao tema a decidir, com a conformação que lhe havia sido dada pelas recorrentes, extravasando o acórdão recorrido os limites da vinculação temática; tal excesso de pronúncia consubstancia nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.°, n.° l, al. c), segmento final, por força do art. 425.°, n.° 4, do CPP.
Proc. n.º 103/09 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis
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