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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-07-2009
 Tráfico de estupefacientes Crimes de perigo Qualificação jurídica Tráfico de menor gravidade Ilicitude consideravelmente diminuída Princípio da proporcionalidade
I -O art. 21.°, n.º 1, do DL 15/93 contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine – a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
II - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
III - Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (arts. 21.° e 22.°), para os pequenos e médios traficantes (art. 25.°) e para os traficantes-consumidores (art. 26.°).
IV - O art. 25.° do DL 15/93, contém um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental do art. 21.°. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
V - A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico.
VI - No caso, as quantidades de produto detidas são já de certa envergadura, especialmente quando em relação com a natureza dos produtos detidos e destinados à venda – heroína e cocaína – comummente designadas por “drogas duras”. Revelam, por si só e pela conjugação com as regras da experiência, que se não trata apenas de um pequeno vendedor de rua, sem logística, de proximidade, em comércio sem dimensão consistente no tempo e no espaço territorial de intervenção.
VII - A procura de local dedicado que se sabia escolhido para actividade de transacção de produtos estupefacientes – uma espécie de “lugar de mercado”, isolado – onde os consumidores se dirigiam sabendo que aí encontravam o produto para adquirir, juntamente com o domínio pelo requerente do conhecimento do espaço, distante do local de residência, revela uma projecção de distância que indicia uma actividade não ocasional, que se não resume a um acto isolado ou a abordagem de contingência.
VIII - Também o montante de dinheiro detido, proveniente da actividade, permite a conclusão sobre a dimensão ou relevo da actividade, que não pode ser considerada de pequeno tráfico no quadro de valorações do art. 25.° do DL 15/93, de 22-01.
IX - A integração do tipo base constante da decisão recorrida deve, por isso, ser aceite, revelando um juízo adequado sobre a proporcionalidade da conduta e da razão de ilicitude, por referência às categorias da lei.
Proc. n.º 47/08.9GCLLE.E1.S1 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro
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