ACSTJ de 30-04-2009
Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Medida da pena Revista Medida concreta da pena Aproveitamento do recurso aos não recorrentes Suspensão da execução da pena Fins das penas Prevenção geral Prevenção especial Juízo de prognose
I -O privilegiamento do crime de tráfico de menor gravidade dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente: (i) – nos meios utilizados; (ii) – na modalidade ou nas circunstâncias da acção; (iii) – na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações. II - Não ocorre essa considerável diminuição da ilicitude da conduta, quanto à qualidade das substâncias, que se tratava não só de heroína mas também de cocaína (substâncias entendidas como “drogas duras” e que não constituem seguramente um índice com efeito diminuidor da ilicitude); quanto às quantidades das substâncias em causa, que envolvia um esquema de venda com dois vendedores na rua, por conta da recorrente e do companheiro, tendo sido apreendida à recorrente no dia da intervenção policial cocaína com o peso de 101,577 g, destinada a tal venda; quanto ao período de tempo em que se desenrolou a actividade em causa (cerca de 20 dias), associado à utilização de dois intermediários na venda durante o dia inteiro, das circunstâncias da acção: que não se tratou de conduta desgarrada e esporádica, mas de uma actividade interligada e estruturada, que se afasta decididamente de mero tráfico de rua por conta de outrem. III - Entende-se hoje que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (arts. 70.º a 82.º do CP): aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cf. arts. 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do CP dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena. IV - Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, cabendo então apreciar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. V - Já tem considerado, por outro lado, este STJ e a doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada. VI - Atendendo: -ao grau de ilicitude do facto (a recorrente participou na organização de um esquema de venda de heroína e cocaína por dois toxicodependentes, que iam à residência da recorrente e do companheiro entregar o dinheiro e receber mais droga, numa dimensão que a droga, o dinheiro e bens apreendidos dá algum significado; porém, não se detectou a parafernália associada a um tráfico que esta dimensão suporia e só se estabeleceu a sua ocorrência por um período de 20 dias); -a intensidade do dolo ou negligência (o dolo foi directo); -os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (a arguida actuou em conjugação de esforços e segundo plano previamente combinado e para obter dinheiro e valores com significado económico); -as condições pessoais do agente e a sua situação económica (é companheira do co-arguido CM há 27 anos e antes dele ter sido detido, viviam ambos com dois filhos de 20 e 18 anos de idade; tem 43 anos de idade, é solteira e não sabe ler, nem escrever, vendia ocasionalmente com o seu companheiro roupas nas feiras; actualmente, vive com os filhos numa casa camarária, na sequência de um programa de realojamento camarário, e está a fazer o 1.º ano de escolaridade); -a conduta anterior ao facto e posterior a este (é primária, mudou para uma casa camarária e frequenta o 1.º ano de escolaridade); afigura-se adequada a pena de 4 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. VII - Considerando que está em causa um crime em que comparticipou o companheiro da recorrente, o arguido CM, que não recorreu para este Tribunal, e que o essencial das circunstâncias que levaram à diminuição da pena são objectivas e não pessoais, mas mesmo as pessoais se reproduzem no comparticipante (também ele está a estudar na prisão e é primário), face às disposições conjugadas dos arts. 403.º, n.ºs 2, al. e), e 3, e 402.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP, há que fazer o arguido CM aproveitar do recurso interposto pela sua companheira e alterar a pena aplicada, que passa a ser de 4 anos e 9 meses de prisão. VIII - A suspensão da execução da pena só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. IX - Necessário se torna que se possa formular um juízo de prognose social favorável em relação ao arguido, que permita esperar que a mera ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da criminalidade; mas também que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que compreende, em primeiro lugar, a protecção dos bens jurídicos e, logo, a prevenção geral de integração. X - No caso, os factos provados não permitem a formulação do juízo de prognose social favorável, apesar de alguns elementos positivos (primariedade e vontade de escolarização), pois não se pode afirmar uma interiorização do desvalor da conduta, por parte dos arguidos. Mas também, as circunstâncias da acção (tráfico de estupefacientes, a droga apreendida, o esquema de acção) impõem, como condição de reafirmação da validade da norma, a execução da prisão efectiva.
Proc. n.º 615/09 -5.ª Secção
Simas Santos (relator) **
Santos Carvalho
* Sumário elaborado pelo relator
** Sumário revisto pelo relator
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