Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 30-04-2009
 Homicídio Homicídio privilegiado Homicídio qualificado Tentativa Intenção de matar Matéria de facto Desespero Frieza de ânimo Premeditação Reflexão sobre os meios empregados Medida concreta da pena
I -Considerando que, quer no acórdão da 1.ª instância, quer no da Relação, se teve por assente que: -o recorrente, perante alguns problemas devido a dívidas contraídas na pendência do matrimónio da sua actual companheira com o assistente, formou o desígnio de tirar a vida a este, delineou com antecedência um plano para levar a cabo esse desígnio, com a cumplicidade de outra pessoa; -depois de atrair o assistente até si, o recorrente, a curta distância daquele, disparou 5 tiros de arma de fogo na sua direcção (todas as munições que possuía), só não lhe tendo tirado a vida porquanto os projécteis apenas acertaram na região cervical, na zona da laringe – tendo esta munição entrado e saído logo de imediato – no braço esquerdo e no braço direito; essa matéria de facto reduz, face à comprovada intenção de matar, as hipóteses de qualificação jurídica da conduta do recorrente aos vários tipos de homicídio.
II - A intenção de matar é matéria de facto que escapa à censura do STJ enquanto tribunal de revista.
III - Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção, importando no recorte desse tipo, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento: (i) -compreensível emoção violenta; (ii) -compaixão; (iii) -desespero; (iv) -motivo de relevante valor social ou moral.
IV - Desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
V - Tendo-se provado que o recorrente, com antecedência superior a 24 h, elaborou um plano destinado, com a cumplicidade de outra pessoa, a atrair o assistente a um local ermo, de noite, para lhe tirar a vida, não só não se provou que o recorrente tenha agido com culpa sensivelmente diminuída, como o exige o art. 133.º do CP, como não se provou que o arguido cometeu os factos sob forte condicionante emocional, num comportamento flagrantemente impulsivo, impensado ou sem consciência crítica, movido por desespero ou emoção.
VI - O comportamento do recorrente, ao atentar contra a vida do assistente, indicia a especial censurabilidade ou perversidade a que se reporta o n.º 1 do art. 132.º do CP, como elemento qualificador do crime de homicídio, cometido de forma traiçoeira, imprevisível, desleal, com a atracção, por interposta pessoa, da vítima ao lugar escolhido para o crime – um beco sem saída –, de madrugada e sob o falso pretexto de serem necessários os serviços daquela para destrancar um veículo e com súbita irrupção a partir do esconderijo (traseira do veículo), encapuçado e empunhando uma arma de fogo, cujo carregador esvaziou, a curta distância, disparando todas as munições (cinco) na direcção da vítima, cuja vida não tirou devido a razões alheias à sua vontade.
VII - O recorrente teve aquela conduta na sequência de um plano elaborado de forma fria, calculada, reflectiva, em que, formado com antecedência superior a 24 h, o desígnio de matar o assistente, com essa antecedência ainda, começou a executar esse plano (p. ex. a compra de um cartão de telemóvel para utilizar no esquema urdido para atrair a vítima, a escolha do local e hora para a prática do crime), ajustou com o seu co-arguido o restante planeamento para execução do crime, e persistiu durante todo esse período na intenção de matá-lo.
VIII - A frieza de ânimo deve rever-se na reflexão sobre os meios empregados ou na persistência na intenção de matar por mais de 24 h.
IX - «A ideia fundamental [da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do CP] é a da premeditação, pressupondo uma reflexão da parte do agente (…). E, quando a premeditação se materializa na chamada “frieza de ânimo”, esta traduzir-se-á “numa actuação calculada, em que é de modo frio que o agente toma a sua deliberação de matar e firma sua vontade (…)”, situação em que “no fundo, o agente teve oportunidade de reflectir sobre o seu plano e ponderou toda a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto” – Fernando Silva, Direito Penal, Crimes contra as Pessoas, Quid Iuris, 2005, pág. 73» – cf. Ac. do STJ de 12-05-2005, Proc. n.º 1439/05 -5.ª.
X - A ponderação, além dos elementos de facto considerados pelas instâncias, da confissão dos factos, do comportamento anterior, da primariedade e das, felizmente circunscritas, consequências da tentativa para a integridade física do assistente, permite e justifica a intervenção correctiva deste STJ e a fixação da pena pelo homicídio qualificado tentado em 7 anos de prisão [reduzindo a pena de 8 anos de prisão fixada pela 1.ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação].
Proc. n.º 58/05.6SULSB.S1 -5.ª Secção Simas Santos (relator) ** Santos Carvalho