Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 23-04-2009
 Competência da Relação Recurso da matéria de facto Rejeição de recurso Manifesta improcedência Motivação do recurso Conclusões da motivação Âmbito do recurso Despacho do relator Convite ao aperfeiçoamento Renovação da prova Livre apreciação da p
I -A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se, em face da alegada omissão do recorrente, do cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou que têm que ser renovadas, estava o relator obrigado, nos termos do art. 417.º, n.º 3, do CPP, a convidar o mesmo recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas; na afirmativa, se estaria a “modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”, contrariando o comando do n.º 4 daquele normativo.
II - Na decisão recorrida rejeitou-se o recurso por manifesta improcedência invocando-se no essencial que: “No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção às provas que impõem decisão diversa e só de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, justificando-se a rejeição do recurso”; no recurso interposto para este STJ o recorrente esclarece que, estando em causa o facto de se não ter produzido qualquer prova que apontasse para a verificação dos factos dos pontos assinalados, trata-se “da prova de factos negativos [pelo que] terá que se ouvir todo o depoimento de todas as testemunhas”, porque só assim se poderá concluir pela completa omissão de referências comprometedoras para o recorrente no sentido por si apontado.
III - Relativamente ao art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, é insuficiente, à partida, a indicação genérica de todo um depoimento gravado, importando referir o que é que nele não sustenta o facto dado por provado. Mas, sobretudo, o recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida; não basta que as provas sejam compatíveis com os factos provados, e com os não provados que o recorrente gostaria de ter visto provados. É preciso que as ditas provas só possam levar a que se dêem por provados os factos que o recorrente queria ver provados.
IV - Quanto à al. c) do n.º 3 deste preceito legal, prevê a renovação de prova. Ou seja, não a produção de prova nova, mas a nova produção de prova já produzida, a ter lugar em audiência, e no tribunal de recurso. Para tanto, importa ter em conta as limitações do art. 430.º, n.º 1, do CPP. Para além da especificação dos meios de prova já produzidos em audiência da 1.ª instância, é mister que se assinalem vícios, dos contemplados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, e ainda que se convença o Tribunal da Relação de que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo.
V - Não se pode apresentar como justificação para o não cumprimento do n.º 3 do art. 417.º do CPP – convite ao aperfeiçoamento – a circunstância de se presumir que vai haver modificação do âmbito do recurso: o n.º 4 do art. 417.º do CPP constitui uma limitação, dirigida ao recorrente convidado ao aperfeiçoamento, mas que o relator não se sabe de antemão se ele vai observar ou não.
VI - Uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso, essa decisão ela mesma: no primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida; já no segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispuseram.
VII - Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto.
VIII - Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
IX - Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
X - Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
Proc. n.º 114/09 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos