ACSTJ de 23-04-2009
Homicídio Atenuação especial da pena Provocação Princípio da proporcionalidade Caçadeira
I -A ideia estruturante do instituto da atenuação especial da pena é a de que funciona como válvula de segurança: significa que a atenuação especial deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. II - O recorrente invoca provocação e esta, por sinal, vem incluída na enumeração exemplificativa do n.º 2 do art. 72.º do CP; todavia, para além de a provocação a que aquele se refere (ter sido antes agredido pela vítima com um pau no ombro esquerdo) não justificar a reacção que ele teve a seguir, carregando a arma caçadeira com um cartucho e disparando a muito curta distância da vítima, de tal modo que lhe causou múltiplas lesões graves, sobrevindo a morte, tal reacção foi completamente desproporcionada em relação ao facto que lhe deu causa e a conduta provocadora começou por ser inicialmente desencadeada pelo próprio recorrente. III - A reacção do recorrente é totalmente desproporcionada em relação à causa (ter faltado a energia eléctrica), subindo as escadas que conduziam à casa onde vivia a sua mãe e o seu irmão (a vítima), com a mulher e um filho e começando a pontapear a porta de entrada, ao mesmo tempo que gritava que a culpa da falta da luz era do menor, e depois disso ter desferido um soco que se dirigiu ao referido menor, mas que foi aparado pela sua mãe (avó do menor), que se interpôs entre os dois. IV - Essa reacção é já provocatória, originando que o seu irmão (pai do menor), vendo o que se estava a passar, reagisse, por seu turno, empurrando o arguido e envolvendo-se depois em luta; contudo, este, sempre determinado pelo excesso, foi a casa buscar a arma caçadeira, com a qual veio posteriormente a matar o irmão. V - Mesmo quando o recorrente foi buscar a arma a casa, essa conduta também se insere na linha provocatória anterior, não tendo o irmão feito nada de relevante que justificasse uma tão desmedida reacção. O facto da vítima não ter fugido não confere qualquer razoabilidade atenuante à conduta do recorrente. VI - Neste contexto, a alegada provocação nunca poderia conduzir à atenuação especial da pena, desde logo, pela falta evidente de relação de proporcionalidade entre a pretensa conduta provocatória e a reacção.
Proc. n.º 388/09 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
|