Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 16-04-2009
 Tráfico de estupefacientes Tentativa Desistência Crime exaurido Crimes de perigo Actos de execução Consumação Compra e venda Prova Meios de obtenção da prova Proibição de prova Efeito à distância Escutas telefónicas Destruição Nulidade Prin
I -A infracção do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, constitui o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge, por regra, como realização inicial do iter criminis, tendo em conta um processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo.
II - A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, os quais podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita, por exemplo. Aceita-se que a natureza do crime do art. 21.º citado, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente. E de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.
III - Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista daquele preenchimento do tipo. A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
IV - No que especificamente respeita ao caso dos autos, é insofismável que o recorrente comprou a droga. Ora, a compra e venda tem por efeito a transferência da propriedade da coisa por mero efeito do contrato. Não exige, para sua perfeição, nem a entrega da coisa nem o pagamento do preço, se bem que o comprador se constitua na obrigação do pagamento desse preço e o vendedor na obrigação de entrega da coisa (arts. 874.º e 879.º do CC). Além disso, determinou o vendedor – ao combinar com ele um determinado local de entrega da coisa vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta para que o crime se tenha consumado através do seu comportamento.
V - Os recorrentes defendem que a declaração de inconstitucionalidade do n.º 3 do art. 188.º do CPP nos precisos termos do Ac. do TC n.º 660/06, deveria ter por consequência, não só que as conversas telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos presentes autos, não pudessem ser utilizadas contra os arguidos, como deveria ocasionar que os restantes elementos de prova não pudessem ser utilizados. Em causa está a destruição de suportes magnéticos de escutas reputadas irrelevantes, e a que os arguidos não tiveram acesso, o que fez entrar em crise o princípio do contraditório e a possibilidade de contextualização das conversas havidas. A posição do acórdão recorrido foi a de que, no caso, tal “efeito à distância” se não produzira.
VI - A doutrina dos “frutos da árvore venenosa” não teve nunca entre nós o “efeito dominó” de inquinar todas as provas que em qualquer circunstância apareçam posteriormente à prova proibida e com esta relacionadas (vide Ac. do TC n.º 198/04). Daí que, só caso a caso e perante uma prudente análise dos interesses em jogo é que se poderá avaliar a extensão dos efeitos da prova inquinada. Importa apurar um nexo de dependência não só cronológica, como lógica e valorativa, entre a prova inquinada e a que se lhe seguiu.
VII - Importa distinguir entre interesses individuais que contendem directamente com a dignidade humana (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas) e a violação de interesses sem esse estigma, como pode ser o caso de simples intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou comunicações. Se no primeiro caso está posta de lado qualquer transigência em relação à prova subsequente, já no segundo é possível uma concordância prática entre interesses conflituantes, com respeito pelos parâmetros da necessidade e proporcionalidade (vide Ac. do STJ de 31-01-2008, Proc. n.º 4805/06 -5.ª).
VIII - Na situação ora em apreço estão em confronto a inobservância dos requisitos formais das escutas (não da sua admissibilidade) e a verdade material ao serviço da justiça penal. A impossibilidade de ser utilizado como prova o resultado das escutas efectuadas, ficou a dever-se ao postergar do princípio do contraditório, que por sua vez está ao serviço dos direitos da defesa. Acontece é que as provas ulteriormente conseguidas estiveram abertas a todo o contraditório. Não custa pois, aqui, negar o pretendido “efeito dominó”.
Proc. n.º 3375/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos