Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 02-04-2009
 Homicídio Homicídio qualificado Tentativa Agravante Meio insidioso Alteração da qualificação jurídica Competência do Supremo Tribunal de Justiça Reformatio in pejus Constitucionalidade Direitos de defesa Princípio do contraditório Dolo eventual
I -O meio insidioso traduz-se, por um lado, num comportamento caracterizado pela traição, por uma acção dissimulada, e, por outro lado, derivado disso, na colocação da vítima numa situação de pouca ou nenhuma possibilidade de defesa.
II - O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP –, qualificação jurídica mantida pelo Tribunal da Relação –, importando ver se agora ainda é possível alterar tal qualificação, tendo presente o teor do Assento do STJ n.º 4/95, de 0706-1995 e com respeito pelo princípio da proibição da reformatio in peius, consagrado pelo art. 409.º do CPP.
III - No caso dos autos, o arguido foi acusado e pronunciado pelo crime de homicídio qualificado, do então art. 132.º, n.º 2, als. d) e i), do CP [hoje als. e) e j)]; o recurso do MP para a Relação – a que o arguido respondeu –, pugnava, entre o mais, por que se considerasse que o crime cometido era o de homicídio qualificado naqueles termos e os factos mantiveram-se intocados desde a 1.ª instância, pelo que o arguido teve toda a oportunidade de, no que a estes toca, deles se defender.
IV - A doutrina do TC a este respeito e transferida para o art. 424.º, n.º 3, do CPP, impõe um apertado respeito pelo princípio do contraditório, consagrado no art. 32.º, n.º 5, da CRP, devendo sempre ser dada oportunidade ao arguido de se pronunciar, face a uma diferente qualificação – cf. Ac. n.º 324/99.
V - Entendemos que a diferente qualificação (do art. 131.º para o art. 132.º do CP), com apelo a circunstâncias agravantes qualificativas, não mencionadas ainda em qualquer decisão proferida no processo, não preenche esse requisito; não se tratará então de repor uma qualificação, de que o arguido já tivesse tido oportunidade de se defender, em toda a sua extensão (é o caso do Ac. deste STJ de 04-10-2001, CJ STJ, IX, 3, pág. 178). O que estará vedado é surpreender o arguido, não tanto por a qualificação ser diferente, mas por ser diferente com recurso a uma circunstância qualificativa ainda não invocada.
VI - Do que dito fica resulta que se caracterizará o comportamento do arguido em termos de homicídio qualificado, mas apenas pela al. j) [antes al. i) do n.º 2 do art. 132.º, “reflexão sobre os meios empregados”]. Quanto aos factos que integram a qualificativa da al. i) [antes al. h), “meio insidioso”], serão ponderados em termos de agravante geral.
VII - Provou-se que, quando o arguido ia fazer os disparos, previu a possibilidade de atingir CA e de o matar e, apesar de prever como possível a morte de CA por virtude dos disparos, não se absteve de os produzir, conformando-se e aceitando a possibilidade de tal morte se verificar, sendo que esta não sobreveio por razões alheias à sua vontade.
VIII - Uma parte minoritária da doutrina, tem posto em causa a compatibilidade destas duas realidades, tentativa e dolo eventual, face à incongruência entre a «decisão de cometer um crime» e a mera representação e aceitação, por parte do agente, da eventualidade de os actos praticados virem a desencadear a sua consumação (art. 22.º do CP), mas no sentido claro de compatibilidade se tem pronunciado a jurisprudência, e de forma dominante neste STJ – cf. Ac. de 11-10-2001, Proc. n.º 951/01 -5.ª.
IX - A nosso ver, quando o art. 22.º, n.º 1, do CP caracteriza a tentativa como prática de actos de execução, de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, não confundiu a decisão de cometer um crime, com o fim de obtenção de um certo resultado com o crime. Por outras palavras, os actos de execução praticados, que integram o elemento objectivo da tentativa, devem integrar-se num comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que, globalmente considerado, é crime. Mas a ocorrência de tal crime pode bastar-se com a simples aceitação de um resultado criminoso, sem que esse resultado tenha sido o móbil, no sentido de causa final da acção. “Crime que decidiu cometer” significa pois, tão só, comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que é crime. Se é crime porque aí o dolo se configura como directo, necessário, ou eventual, não interessa.
Proc. n.º 3277/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos