ACSTJ de 29-04-2009
Homicídio qualificado Regime penal especial para jovens Atenuação especial da pena Prevenção geral Prevenção especial Arrependimento Idade Atenuante geral
I -O regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, instituído pelo DL 401/82, de 23-09, surge em regulação do imperativo decorrente do art. 9.º do CP (aprovado pelo DL 400/82, da mesma data), sendo um regime datado, que entrou em vigor simultaneamente com o CP, com o qual foi articulado. II - O regime em causa suscita, em alguns pontos, controvérsia na jurisprudência. Desde logo, a sua caracterização como especial ou geral não é pacífica: enquanto para uns, como resulta, por ex., dos Acs. do STJ de 27-10-2004 (Proc. n.º 1409/04 -3.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 213) e de 28-06-2007 (Proc. n.º 1906/07 -5.ª), o regime penal aplicável a jovens adultos não constitui um regime especial, mas o regime penal geral relativo aos jovens delinquentes, sendo o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, ou, como se afirmou no Ac. do STJ de 07-11-2007 (Proc. n.º 3214/07 -3.ª), um regime específico e não um regime especial, para outros é considerado como regime especial que prevalece sobre o regime geral, subsidiariamente aplicável (cf. Ac. do STJ de 06-09-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 181). III - O instituto previsto no DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial: -não é de aplicação necessária e obrigatória; -não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; -é de conhecimento oficioso; -não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; -é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa; -não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; -impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação. IV - Desde 01-01-1999, com a entrada em vigor da reforma do processo penal operada pela Lei 59/98, de 25-08, que se passou a perspectivar a não consideração da aplicabilidade do regime penal especial para jovens como nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso – art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP –, mas, caso se entenda estar em causa a violação do dever de fundamentação, a falta desta constituirá violação da injunção constante do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sendo então a nulidade a prevista na al. a) do n.º 1 do citado preceito. V - Já quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, ou seja, da prevalência ou não das exigências especiais sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídico penal, a jurisprudência, mais uma vez, divide-se: -para uma certa corrente, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do DL 401/82 ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, precludir a aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; -noutra linha jurisprudencial – que será de compromisso com a ponderação adequada das duas finalidades da pena –, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art. 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido; -em sentido diverso, defende ainda alguma jurisprudência que a perspectiva da ressocialização deve ser a enfatizada, sendo que o único fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial é a inexistência de vantagens para a reinserção social. VI - A ser deferida a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 terá a medida premial de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos arts. 72.º e 73.º do CP, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto. VII - A diferença substancial entre a atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens e a constante do art. 72.º do CP está em que naquele, tal como estabelece o art. 4.º do DL 401/82, são razões de prevenção especial que fundamentam o regime, pelo que a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas; e na medida prevista no CP a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. VIII - A atenuação especial da pena tem de emergir de um julgamento do caso concreto – impondo-se proceder a uma apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime e de tudo aquilo que o tribunal tenha podido apurar acerca das condições pessoais e personalidade do jovem – que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção. IX - O arrependimento, a não ter tradução em actos objectivos, e ficando-se apenas por meras afirmações verbais, atitudes ou declarações demonstrativas, pouca relevância tem, e muito menos para a atenuação especial. X - Em casos graves e com contornos de violência, como o presente, não pode o julgador alhear-se da seriedade do comportamento ajuizado, olvidando que estamos perante um homicídio qualificado – porque produzido em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e perversidade do agente –, que tem como fundamento uma agravação da culpa, uma culpa mais grave. Com efeito, não é possível compaginar um quadro com tais contornos – a elevada ilicitude da conduta do arguido é, ainda, revelada pela prática dos crimes de incêndio e detenção ilegal de arma, que aquele homicídio antecederam – com a necessária culpa mitigada que deve ancorar a solução de atenuação, em geral, e, no que se reporta à situação dos jovens, com a existência de razões sérias que possam projectar um futuro conforme ao direito, com a completa subalternização da consideração daqueles parâmetros (cf. os Acs. deste Supremo Tribunal de 18-02-2009, Proc. n.º 100/09 -3.ª, e de 12-03-2009, Proc. n.º 3773/08 -5.ª, onde, perante situações de homicídio qualificado, se decidiu pela não aplicação da atenuação especial da pena decorrente do regime penal dos jovens). XI - A idade do arguido será assim de considerar apenas na determinação da pena como atenuante geral.
Proc. n.º 6/08.1PXLSB.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
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