ACSTJ de 29-04-2009
Roubo Agravante Co-autoria Bando Medida concreta da pena Pena de substituição Suspensão da execução da pena Prevenção especial Prevenção geral
I -O crime de roubo tem como elemento integrante a existência de violência ou de ameaça com um perigo iminente para a vida – ou para a integridade física – da vítima ou a colocação desta na impossibilidade de resistir através da utilização, pelo agente, de algum dos referidos meios, por forma a se apropriar de coisa móvel alheia (art. 210.º do CP). II - O crime de roubo inscreve um núcleo de ofensa à propriedade, que assume um papel fundamental, por visar, em última análise, a consecução ilegítima de bens patrimoniais, mas constitui-se como um crime complexo, pois a ofensa de bens jurídicos eminentemente pessoais assume especial relevância. III - É circunstância qualificadora do crime de roubo, entre outras, a detenção, no momento do crime, de arma aparente ou oculta – arts. 203.º e 210.º do CP. IV - Conforme estabelece o art. 4.º do DL 48/95, de 15-03, arma é «qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.» V -A propósito desta qualificativa – porte de arma aparente ou oculta – têm-se desenhado na jurisprudência duas orientações. A tese dominante considera que a arma, como circunstância agravativa dos crimes de furto e de roubo, tem de se revestir de efectiva perigosidade, defendendo que «o que está na base da agravação prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E sendo assim é irrelevante para efeitos da existência dessa qualificativa o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira». VI - Neste sentido, salientando a possibilidade de a arma poder integrar a ameaça mas não a qualificativa, esgotando-se ali a sua função, referem Leal-Henriques e Simas Santos (in Código Penal anotado, 1996, 2.º vol., pág. 443) que «o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota». VII - Numa outra perspectiva se colocam aqueles que consideram que se verifica a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP sempre que a arma tenha a virtualidade de levar o homem médio, ou comum, a pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente. VIII - Nesta tese, o elemento qualificador é de ordem subjectiva e reside na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima. IX - Esta é a melhor doutrina, e a que se acolhe, pois que o que está em causa – como se acentua no Comentário Conimbricense do Código Penal – é o acréscimo de fragilidade que se produz na vítima, ou por outra palavras, o poder inibitório que a exibição da arma produz na capacidade de defesa, sendo que tal fragilidade, ou inibição, é desencadeada pela percepção de um objecto que é assumido pelo comum dos cidadãos como tendo potencialidade para ferir ou matar. X - Co-autoria e actuação em bando são conceitos distintos, não podendo reconduzir-se a este último instituto uma actuação que se define apenas em relação ao momento da prática do crime, sem qualquer noção organizativa, ou mesmo de pré-conjugação de vontades, e muito menos inexistindo qualquer vínculo a uma prática reiterada que, necessariamente, tem de estar subjacente ao conceito de bando para que este possa relevar em termos de subsunção jurídica. XI - Na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Isto significa que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art. 71.º do CP) a partir da ideia de que uma finalidade de prevenção – e essa é a da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal, sendo igualmente uma finalidade de prevenção, agora geral, no seu grau mínimo, a única que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. XII - Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta na escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente. XIII - Na escolha da pena, considera Figueiredo Dias, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. XIV - Essa prevalência opera a dois níveis diferentes: -em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração; -em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita. XV - Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. XVI - A admissão da suspensão da execução da pena até 5 anos de prisão (art. 50.º do CP), que já nada tem a ver com uma reacção humanista contra os malefícios das penas curtas de prisão, mas tão-somente reflecte um mal-estar do legislador perante a pena carcerária, deve necessariamente traduzir-se num redobrado e atento exame da situação concreta, face às exigências da prevenção geral, perante penas que correspondem a crimes que de forma alguma aceitam a designação de criminalidade menor, pois que a suspensão da execução da pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. XVII - E, apesar de a lei o não dizer, é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica, dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição da possibilidade de suspensão da execução uma pena de 6 meses de prisão ou uma de 4 anos de prisão. XVIII - Assim, e considerando, desde logo, que o crime de roubo, nas suas diversas modalidades, está em constante progressão, dificilmente é aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito seja suspensa na sua execução quando as circunstâncias apontam para uma actividade ilícita com uma apreciável dimensão em termos de ilicitude.
Proc. n.º 939/07.2PYLSB.S1 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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