ACSTJ de 29-04-2009
Responsabilidade civil emergente de crime Homicídio por negligência Indemnização Danos patrimoniais Alimentos Enriquecimento ilegítimo Regras da experiência comum Direito à vida Danos não patrimoniais Equidade Juros
I -O art. 562.º do CC, consagrando a “teoria da diferença”, estabelece a obrigação do lesante de reconstituir a situação anterior à lesão, o que se traduz numa indemnização em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível. II - A medida da indemnização resulta da diferença entre a situação actual do lesado e a que teria se não tivesse existido o dano – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. E, acrescenta o n.º 3 deste artigo, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. III - À luz deste quadro legal, ajustada se encontra a fixação da indemnização com base numa hipotética pensão mensal correspondente aos gastos das menores até atingirem a idade em que presumivelmente conseguirão atingir a autonomia do ponto de vista económicofinanceiro, pois seriam essas as presumíveis prestações que receberiam dos progenitores, caso estes não tivessem falecido. IV - Contudo, mostra-se injustificada a “actualização” de 3% ao ano aplicada aos montantes obtidos segundo o referido critério – que, de acordo com o Tribunal da Relação, se destinaria a compensar a progressiva “deterioração” do capital, resultante dos inevitáveis levantamentos para cobertura das despesas com a manutenção das menores –, pois a “deterioração” do capital é inevitável e, a ser doutro modo, produzir-se-ia um enriquecimento indevido, na medida em que o capital recebido não se esgotaria no período para que foi destinado: o da necessidade das menores. V - É absolutamente especulativo considerar-se provável que as menores, caso os pais continuassem vivos, fizessem estudos superiores, dado que os salários mensais por aqueles recebidos (€ 512,04 líquidos, o pai, e € 305, a mãe), seus únicos rendimentos mensais, inviabilizavam naturalmente essa pretensão – se é que a tinham, pois tal não consta da matéria de facto provada. VI - Consequentemente, não tem qualquer suporte fáctico a decisão de contabilizar na indemnização as despesas com as “futuras carreiras académicas” das menores, constituindo sem dúvida um enriquecimento indevido fazer recair sobre a demandada o financiamento desses estudos. VII - Já é razoável atender ao aumento das despesas com as menores, na adolescência, pois resulta das regras da experiência comum que é normal aumentarem, a partir da adolescência, os gastos com alimentação e vestuário, bem como com os estudos (obrigatórios, mas não inteiramente gratuitos) e outras necessidades que surgem com essa idade. VIII - Assim, e recorrendo ao disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC, considera-se razoável arbitrar, a esse título, um acréscimo de € 10 000 ao montante básico da indemnização que cabe a cada uma das menores, resultante do critério de manter o valor de alimentos mensais em € 272, considerando a necessidade de alimentos até aquelas atingirem os 26 anos de idade. IX - A indemnização pela violação do direito à vida deve, de acordo com o art. 496.º, n.º 3, do CC, ser arbitrada equitativamente. X - Não havendo rigidez de critérios, há, no entanto, que partir de certos parâmetros, como a idade da vítima, a sua saúde, a expectativa de tempo de vida, e também o papel familiar ou social desempenhado, por outras palavras, a “falta” que a sua morte trouxe a familiares ou à própria sociedade. XI - Tendo em conta que as vítimas eram ainda jovens, sobretudo a mãe das menores (23 anos de idade), e deixaram duas crianças ainda na primeira infância, a quem fizeram uma falta, no plano afectivo e educacional, incompensável, é perfeitamente ajustado o montante fixado pelas instâncias [de € 60 000 por cada vítima], conforme, aliás, com a tendência recente da jurisprudência deste Supremo Tribunal. XII - A perda dos pais, em idade tão tenra [6 anos a M,3 anos e 7meses a J], privando as menores das referências parentais mais intensas e importantes na vida, ainda por cima em acto simultâneo, traduzindo um dano de dimensão imensurável, marcou e marcará sempre tragicamente a vida das duas menores, não havendo qualquer exagero na atribuição do montante de € 40 000 a cada uma, a título de compensação pelos danos morais sofridos com a morte dos pais. XIII - Tendo resultado provado que, para além de a vítima MF pouco tempo ter sobrevivido ao seu marido, ambos anteviram a iminência do acidente, ambos sofreram angústia e pânico, ambos tiveram dores lancinantes como consequência das lesões sofridas, estão verificados os pressupostos da responsabilidade por danos morais sofridos por ambas as vítimas. XIV - E não há qualquer fundamento para reduzir o montante fixado, a título de danos não patrimoniais das próprias vítimas, para cada uma [de € 10 000], pois que o mesmo leva em conta, segundo um juízo equitativo, os sofrimentos físicos e psíquicos por aquelas sofridos imediatamente antes e imediatamente após o acidente. XV - O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2002, do STJ (in DR I-A, de 27-06-2002), estabelece que «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do CC, vence juros de mora, por efeitos do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, também do CC, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação». XVI - Tendo os valores das indemnizações devidas pelos danos morais (das vítimas e os próprios das demandantes, bem como pelo direito à vida) sido actualizados na decisão da 1.ª instância, é a partir dessa decisão que são devidos juros.
Proc. n.º 292/04.6GTBRG.S1 -3.ª Secção
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
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