ACSTJ de 22-04-2009
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Tribunal singular Competência do Supremo Tribunal de Justiça
I -A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no art. 432.º do CPP: de uma forma directa, nas als. a), c) e d) do n.º 1; de um modo indirecto na sua al. b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do art. 400.º, n.º 1, e respectivas alíneas. II - A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a al. c) do n.º 1 do art. 432.º, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade: acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do art. 427.º e deve ser obrigatoriamente dirigido ao Tribunal da Relação. III - A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada. A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. IV - Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também, por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos. V - A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelação mantém-se no art. 432.º e, se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ. VI - A norma da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é directamente afastada pelo art. 432.º, n.º 1, al. c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar. Basta pensar que, na leitura isolada, estritamente literal, um acórdão proferido em recurso pela Relação que aplicasse uma pena de 30 dias de prisão, não confirmando a decisão de um Tribunal de Pequena Instância, seria recorrível para o STJ, contrariando de modo insuportável os princípios, a filosofia e a teleologia que estão pressupostos na repartição da competência em razão da hierarquia definida na regra base sobre a recorribilidade para o STJ do art. 432.º, n.º 1, al. c). VII - A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do art. 432.º, e especialmente do seu n.º 1, al. c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do art. 400.º, n.º 1, al. e), de acordo com o princípio base do art. 432.º, n.º 1, al. c), necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ.
Proc. n.º 3938/03.0TDLSB.S1 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
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