Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-04-2009
 Co-autoria Cumplicidade Homicídio Roubo Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Concurso de infracções Pena aplicada
I -A doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes: -a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto); -o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;-o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
II - «A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, cotitular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes» – cf. Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129.
III - A cumplicidade pressupõe um mero auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso, por forma que ao cúmplice falta o domínio do facto típico como elemento indispensável da co-autoria.
IV - Como diz Faria Costa (Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, pág. 174), «A primeira ideia que ressalta… é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização, relativamente à autoria. Há, pois, uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências… mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério…, deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial».
V - A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade, pois o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nela, limita-se a facilitar o facto principal.
VI - Tendo em consideração que: -existiu uma resolução comum com um plano previamente traçado de forma pormenorizada (de início com a intervenção dos arguidos A e SV e um terceiro, um tal MM, e depois com a adesão da arguida C) com vista à apropriação, através de violência sobre o proprietário, de bens valiosos; -foi também entre todos acordado que o produto do assalto seria dividido de forma equitativa; -estabeleceram uma “divisão de tarefas” a realizar por cada um deles (arguidos), todas elas com manifesta relevância para o alcance da finalidade pretendida – o arguido A como executor material do roubo, acompanhado da arguida C, cuja presença serviria para não chamar as atenções, ambos aparentando ser um casal normal; o arguido/recorrente SV transportou aqueles arguidos A e C ao local do crime, e a sua participação foi imprescindível não só para a execução do plano traçado, uma vez que conhecia bem o local (ao contrário dos outros arguidos, sendo que anteriormente fizera o reconhecimento do mesmo), mas também para a fuga do local após os factos; -quanto ao crime de homicídio, todos – incluindo o recorrente – previram que pudessem surgir dificuldades na execução (do roubo na ourivesaria) e que, para remover as mesmas, fosse tirada a vida a qualquer pessoa, designadamente utilizando as armas, tendo-se conformado com tal eventualidade; não há dúvidas de que o arguido/recorrente praticou os crimes de homicídio qualificado (com dolo eventual) e de roubo (com dolo directo, na forma tentada), em co-autoria.
VII - Embora houvesse quem interpretasse a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções» constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, como significando que, no caso da prática pelo arguido de várias infracções, ainda que cada uma delas não exceda a pena abstracta de 8 anos de prisão, se o cúmulo jurídico correspondente exceder esse tecto de 8 anos o recurso é admissível, a verdade é que – na esteira do entendimento maioritário desta 3.ª Secção – perfilhamos posição diferente, segundo a qual, no caso de concurso de crimes, o que releva para efeitos de (in)admissibilidade de recurso para o STJ (nos termos da referida alínea) é a pena aplicável a cada um dos crimes cometidos e não a soma das molduras penais abstractas dos crimes em concurso, sendo que esta interpretação não colide com a CRP.
VIII - Interpretamos a eliminação da expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.º, pela Lei 48/2007, de 29-08, no sentido de que se quis dar relevância às penas parcelares concretamente aplicadas: por isso, o que importa para efeitos de (in)admissibilidade de recurso para o STJ é a pena aplicada a cada um dos crimes cometidos e não a soma das penas aplicadas aos crimes em concurso.
IX - E tal interpretação não ofende a CRP, «pois esta não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição. Ponto é que tal limitação não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido» – cf. Ac. do STJ de 14-07-2004, Proc. n.º 1101/04 -3.ª.
X - Assim, no caso de concurso de crimes, o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pela Relação só é admissível: -relativamente a cada um dos crimes cuja pena concretamente aplicada seja superior a 8 anos de prisão; -relativamente à pena única aplicada, desde que superior a 8 anos de prisão.
XI - Numa situação em que, como na presente, estamos perante concurso de crimes e o recorrente foi condenado, quanto ao crime de roubo na forma tentada, numa pena parcelar de 5 anos de prisão (embora a pena única aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão), não é admissível recurso para o STJ relativamente a tal crime, mas já o é quanto ao crime de homicídio tentado e à pena única, pois em qualquer dos casos foi aplicada uma pena de prisão superior a 8 anos.
Proc. n.º 583/09 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar