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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-04-2009
 Impedimentos Imparcialidade Juiz Convenção Europeia dos Direitos do Homem Princípio do acusatório Princípio do contraditório Escusa
I -Os impedimentos previstos no art. 40.º do CPP, ou outros casos de intervenções processuais não expressamente previstas, são, de certo modo, atípicos na teoria e função dos impedimentos, que têm, por regra, que ver com a garantia da imparcialidade subjectiva. No rigor das coisas e na compreensão da exacta delimitação conceptual, as situações que a norma prevê revertem mais à prevenção de riscos de afectação da imparcialidade objectiva, quando a cumulação de funções processuais, ou anteriores intervenções no processo, pode fazer suscitar no interessado na decisão, especialmente no arguido, apreensões e receios, objectivamente fundados, sobre a imparcialidade do juiz.
II - A imparcialidade objectiva remete sempre para o exterior, sendo vista pelo lado, não do juiz e das suas posições ou estados de relação, mas dos interessados ou destinatários da decisão, em relação aos quais a justiça é administrada.
III - É esta a construção dogmática da garantia a um tribunal imparcial que está inscrita no art. 6.º, § 1.º, da CEDH como um elemento central da noção de processo equitativo: «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente […] por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá […] sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela».
IV - A jurisprudência do TEDH a respeito da densificação do conceito de tribunal imparcial é de considerável dimensão – cf., entre outros, os acórdãos De Cubber c. Bélgica, de 26-101984, Série A, n.º 86; Thorgeir Thorgeirson c. Islândia, de 25-06-1992, Série A, n.º 239; Padovani c. Itália, de 26-02-1993, Série A, n.º 257-B; e Saraiva de Carvalho c. Portugal, de 22-04-1994, Série A, n.º 286-B.
V - No caso Hauschildt c. Dinamarca, de 24-05-1989 (Série A, n.º 154), por exemplo, o TEDH entendeu que não viola a Convenção um sistema que permita acumular num mesmo juiz a decisão sobre medidas de instrução, sendo esta realizada pelo MP e pela polícia, e as de julgamento e, em regra, de manutenção da prisão preventiva (na doutrina cf., entre muitas outras referências possíveis, Renée Koering-Joulin, La notion européenne de «tribunal independant et impartial» au sens de l’article 6º, par. 1 de la Convention européenne de sauvegarde des droits de l’homme, in Revue de science criminelle et de droit penal comparé, n.º 4, Outubro-Dezembro 1990, pág. 766 e ss.).
VI - Numa outra perspectiva de aplicação dos princípios, também o TC, em várias decisões (v.g. nos Acs. n.ºs 29/99, de 13-01-1999 – DR, II Série, de 12-03-1999 –, e 297/03, de 12-062003 – DR, II Série, de 03-10-2003), considerou que não afecta os princípios do acusatório e do contraditório (art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP) que estão constitucionalmente associados ao sentido e função das garantias de imparcialidade e isenção do juiz, a intervenção, pontual e não intensa, no inquérito ou instrução, do juiz que posteriormente venha a integrar a formação de julgamento.
VII - O TC considera, a este respeito, à imagem da jurisprudência do TEDH, em sede de violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH, que a ofensa do direito garantido só se «verifica quando haja uma intensa participação no inquérito ou instrução do processo, como manifestação de circunstâncias especiais que revelem a possibilidade de ter sido formada uma intensa convicção de culpabilidade pelo futuro juiz de julgamento», delimitando, assim, «em razão da intensidade da participação nas fases preliminares e das respectivas condições, os factores que afectam uma garantia substancial da estrutura acusatória, permitindo a plena satisfação do contraditório e da imparcialidade e da isenção do juiz do julgamento».
VIII - A proximidade funcional do juiz com o processo, como circunstância relevante para afectar a imparcialidade objectiva, supõe a existência de uma relação entre alguma decisão ou posição anterior que tenha tomado num processo e o objecto actual que lhe é submetido para decisão. Tem de existir uma implicação e sequência entre a posição anterior e o objecto actual de decisão, que possa gerar riscos de existência de algum prejuízo ou preconceito relativamente à matéria a decidir.
IX - Tendo em consideração que:-a participação do juiz que solicita escusa de intervir concretizou-se em um único acto, no «processo subjacente», na fase de inquérito, em matéria relacionada com a investigação e com o objecto do inquérito. -fora desta relação e do âmbito desta matéria e objecto (e independentemente da avaliação sobre a natureza e a intensidade da intervenção) não existe espaço que possa gerar apreensões (objectivas) sobre a imparcialidade, porque os motivos invocados para a recusa de juiz, cuja aceitabilidade está submetida a decisão do juiz que pede escusa, são incidentais, referenciais exclusivamente à actuação do juiz recusado, fora da substância e da matéria da relação processual em que interveio anteriormente o juiz que pede escusa; não se verificam os pressupostos de que, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPP, depende o pedido de escusa.
Proc. n.º 73/09.0YFLSB -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro