Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-04-2009
 Homicídio por negligência Danos não patrimoniais Indemnização Morte
I -Danos não patrimoniais são os insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, dos quais resulta o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
II - Referir a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força da regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes “um substituto”, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade. E o mesmo acontecerá se estivermos face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil.
III - De diferente modo será se estivermos face a ofensa à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física ou à vida – mas agora nestes dois casos em sede de crimes de ofensas à integridade física e de homicídio dolosos, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia “contratualização” de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil.
IV - Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, não devendo o montante indemnizatório a encontrar atingir valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, nomeadamente em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam.
V - Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17-03-1971 (BMJ 205.º/150), que, em caso de morte, do art. 496.º, n.ºs 2 e 3, do CC resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: -o dano pela perda do direito à vida; -o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; -o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.
VI - É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115; e os Acs. do STJ de 26-06-1991, BMJ 408.º/538, de 09-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137, de 1107-2007, Proc. n.º 1583/07 -3.ª, de 26-06-2008, Proc. n.º 628/08, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131, de 22-10-2008, Proc. n.º 3265/08 -3.ª, e de 29-10-2008, Proc. n.º 3380/08 -5.ª.
VII - «…Porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis» e «a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado» – cf. Diogo Leite de Campos, A vida, a morte e a sua indemnização, in BMJ 365.º/5.
VIII - Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cf. Ac. do STJ de 04-06-2008, Proc. n.º 1618/08 -3.ª.
IX - No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de afeição a quem a lei concede reparação quando pessoalmente afectadas, por isso, nesses sentimentos.
X - Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos, na falta destes, aos pais, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem – art. 496.º, n.º 2, do CC.
XI - Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o desgosto provocado pela morte do ente querido.
XII - A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano – cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230.
XIII - Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
XIV - Como se refere no Ac. do STJ de 26-06-1991 (BMJ 408.º/538), trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
XV - É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.
XVI - Na sua determinação «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» – cf. Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.
XVII - Com a Portaria 377/2008, de 26-05, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007, de 21-08 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva automóvel – Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05 – e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal).
XVIII - Tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia a mesma ter aplicação, por força do disposto no art. 12.º, n.º 1, do CC.
XIX - De qualquer modo, os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.
XX - Na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.
XXI - Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. XXII -Atendendo a que: -a vítima à data do acidente contava 39 anos, tratando-se de pessoa que trabalhava em França, sendo saudável, sem doenças, tendo uma vida alegre e dedicada à família; -a produção do acidente ficou a dever-se em exclusivo a culpa do condutor arguido, traduzida na violação grave de regras estradais de circulação, invadindo a metade da faixa de rodagem contrária ao sentido em que circulava, indo chocar com a viatura da vítima, nada fazendo para evitar o embate, não tendo travado e seguindo completamente distraído; seria caso de fixar a indemnização pela perda do direito à vida em patamar mais elevado do que o encontrado pela Relação – de € 55 000 –, mas que se mantém uma vez que os demandantes com ele se conformaram. XXIII -Tendo em consideração que a vítima teve de ser desencarcerada da viatura, apresentando sinais de vida, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte, e que «no curto espaço de tempo que antecedeu a sua morte sofreu angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas intensíssimas, que se traduziram nas várias costelas fracturadas e hemorragia interna», é de ter como adequado o valor de € 7500 fixado pelas instâncias, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal.
Proc. n.º 3704/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis