ACSTJ de 02-04-2009
Pedido de indemnização civil Partes civis Legitimidade Testamento Herdeiro Legatário Lesado
I -É de rejeitar, por falta de interesse em agir, o segmento do recurso interposto pelos demandantes civis que visa a imposição à arguida de condição para que seja suspensa a execução da pena, uma vez que tal matéria respeita à parte criminal da decisão. II - Tendo a ofendida MA, por testamento, legado a MR e marido, AC, uma fracção autónoma – que identifica – e todo o dinheiro e créditos que existiam à data da sua morte, quer em casa, quer depositados em qualquer instituição de crédito, não se pode concluir que MR e AC (beneficiários do testamento) foram ali instituídos herdeiros da ofendida MA, mas tão-só legatários. III - Com efeito, nos termos do art. 2030.º do CC, os sucessores são herdeiros ou legatários (n.º 1). Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens certos e determinados (n.º 2). IV - Nos termos e para os efeitos do art. 74.º, n.º 1, do CPP, por lesado entende-se a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído assistente ou não possa constituir-se como tal. V - No caso dos autos, em que: -a arguida praticou o crime de abuso de confiança, no dia 20-07-2004, ainda em vida da ofendida MA, que só faleceu cerca de dois anos depois, em 13-06-2006 [o dinheiro depositado foi levantado de uma sua conta, sendo que o mesmo lhe pertencia na totalidade]; -MA era, por isso, a única lesada para efeitos do art. 74.º, n.º 1, do CPP; -MA podia ter recorrido à via judicial para defender o seu direito, mas não o fez, embora tivesse manifestado vontade de deduzir pedido de indemnização civil em requerimento de 13-12-2004, pelo que, à data da sua morte, a ofendida MA não tinha qualquer direito de crédito reconhecido sobre a arguida; -à data da prática do crime – altura em que se consumou o prejuízo patrimonial decorrente do mesmo –, os recorrentes MR e AC nem sequer eram ainda legatários, pois tal qualidade só a vieram a obter com a morte de MA, momento em que adquiriram o direito sobre os bens deixados [até lá, em vida do testador, o legatário tem apenas a expectativa de que, à data da morte daquele, os bens que lhe foram deixados ingressem no respectivo património], nestes não se incluindo qualquer direito de crédito reconhecido sobre a arguida, que não existia; impõe-se concluir que os demandantes civis MR e AC não são lesados nos termos e para os efeitos do art. 74.º, n.º 1, do CPP. VI - Tendo o pedido de indemnização civil deduzido por MR e AC sido admitido, a decisão a proferir quanto a esse aspecto do recurso já não é de forma (com a absolvição da instância por falta de legitimidade processual), mas de fundo, com a consequente absolvição e improcedência do pedido.
Proc. n.º 2259/04.5TASXL.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
|