Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 02-04-2009
 Concurso de infracções Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Pena cumprida Pena única Fundamentação Fórmulas tabelares Exame crítico das provas Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I -Ocasode concurso por conhecimento superveniente tem lugar quando, posteriormente à condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente àquela condenação, praticou outro ou outros crimes. Nestas situações são aplicáveis as regras dos arts. 77.º, n.º 2, e 78.º, n.º 1, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
II - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP (introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09), com a supressão do trecho «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta», veio, diversamente do que ocorria antes, prescrever que o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso não exclui, antes passou a abranger, as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, procedendo-se ao desconto da pena já cumprida (neste sentido se pronunciava alguma jurisprudência, como, por exemplo, os Acs. do STJ de 2405-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204, e de 30-05-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211; em sentido oposto, os Acs. de 09-02-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194, de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 -5.ª, de 22-06-2006, Proc. n.º 1570/06 -5.ª – este com um voto de vencido –, e de 15-11-2006, Proc. n.º 1795/06 -3.ª).
III - O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP.
IV - Não é necessário, nem útil, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas já transitadas em julgado venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas. Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única.
V - Mas será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da decisão, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra, bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente.
VI - A utilização de fórmulas tabelares, como o “número”, a “natureza”, e a “gravidade”, não são uma “exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito”, mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no n.º 1 do art. 77.º do CP e no n.º 2 do art. 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP – cf. Acs. do STJ de 27-03-2003, Proc. n.º 4408/02 -5.ª, e de 31-01-2008, Proc. n.º 121/08 5.ª.
VII - Tendo em consideração que: -o acórdão cumulatório pouco mais contém do que a mera enunciação das penas e indicação dos crimes, mas mesmo assim de forma deficitária, dada a ausência, desde logo, de enunciação de um requisito essencial e imprescindível como é a data do trânsito em julgado dos acórdãos em causa, faltando também a referência à data da prática dos factos; -no que toca a elementos com interesse para definir a personalidade e conhecer as condições pessoais do arguido nada se adianta no acórdão recorrido, que se limita a inserir aspectos relacionados com a vivência em clausura, abordando apenas elementos da actualidade, posteriores à prática dos factos, abdicando de alinhar os reportados à época em que os factos foram cometidos, como os captados antes nos dois processos e constantes das respectivas decisões; -omitiu-se qualquer referência ao passado criminal do arguido, como se ele não existisse; -após a fixação dos factos dados como provados não se inscreve, como devia, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não se indicando sequer as fontes de prova, nem tão-pouco dando a conhecer o processo cognoscitivo, o juízo crítico valorativo, o exame crítico e a análise conjugada e ponderada das pièces à conviction que conduziram ao assentamento da facticidade apurada; -o acórdão recorrido não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, integrada, quer da apreciação dos factos, de modo a poder avaliar-se globalmente a sua dimensão, intensidade, gravidade, alcance e consequências, quer da personalidade manifestada na sua prática, procurando caracterizar a personalidade emergente do conjunto das condutas, encaradas a juzante daquele processo circunscrito, de determinado pedaço de vida, agora em visão e apreciação global, de uma forma mais completa e abrangente, de modo a dar uma panorâmica de toda a actividade do arguido, indagando das suas inter-relações, ligações e conexões, e, por isso mesmo, fornecendo uma visão mais compreensiva, em ordem a, a final, concluir sobre a sua motivação subjacente, se emergindo e sendo expressão de uma tendência criminosa, como manifestação de uma personalidade propensa ao crime, ou antes de mera pluriocasionalidade, fruto de reunião de circunstâncias, não oriunda, fundamentada ou radicada na personalidade; é patente que o acórdão recorrido, para além das omissões apontadas relativamente aos requisitos primários – como as datas de trânsito e a especificação das datas da prática dos factos –, ao omitir a necessária avaliação global incorreu em omissão de pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir (a especial fundamentação da pena conjunta), sendo nulo, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por violação dos arts. 77.º e 78.º, n.º 2, do CP e 374.º, n.º 2, do CPP.
Proc. n.º 581/09 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis