Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-03-2009
 Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Crimes de perigo Crime privilegiado Ilicitude consideravelmente diminuída Imagem global do facto Factos genéricos Medida concreta da pena Idade Regime penal especial para jovens Antecedentes
I -O art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime. Trata-se de um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo.
II - Depois, o art. 24.º prevê o tipo agravado de tráfico, com a enumeração taxativa das circunstâncias agravantes que têm essa virtualidade. Por sua vez, os arts. 25.º e 26.º estabelecem os tipos privilegiados de tráfico.
III - O art. 25.º refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados).
IV - Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, haverá, pois, de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.
V - Assim, não é o facto de se ter provado uma determinada espécie de droga, nomeadamente uma das ditas «leves», que deve conduzir o tribunal ao julgamento de «considerável diminuição da ilicitude», para efeitos de enquadramento da conduta no tipo privilegiado. Como também não é o facto de estar em causa uma certa quantidade pressupostamente pouco significativa, ou uma determinada modalidade de acção que é determinante para tal efeito.
VI - No caso presente, existem inúmeras referências na matéria de facto provada a factos genéricos, não devidamente concretizados, como sejam os de que o arguido, em certos dias e locais, estava «a proceder à venda de produtos estupefacientes aos consumidores destas substâncias». Tais factos não podem, porém, servir de base a uma condenação penal, pois não se sabendo exactamente o que estava a vender o arguido, não é possível subsumir a sua actuação a alguma das previsões legais do DL 15/93, de 22-01. Na verdade, os tipos penais aí previstos reportam-se a plantas, substâncias ou preparações indicados nos anexos do diploma e, portanto, há que saber se os produtos vendidos lhes corresponderiam de algum modo, o que não está demonstrado.
VII - A jurisprudência do STJ tem sido firme em afastar os factos genéricos de qualquer incriminação propriamente dita, pois muitas vezes são resultantes de meras observações feitas na fase investigatória do processo e que são indicadas nos relatórios policiais como diligências de prova que foram levadas a cabo, pelo que nem deveriam fazer parte da acusação.
VIII - Não é possível falar, portanto, no caso dos autos, de grandes quantidades de droga (nem de determinadas espécies dela) vendidas ou dadas a vender pelo recorrente, pois, na verdade, apenas há a certeza de deter para venda 99,099 g de heroína, mais 0,271 g da mesma substância e 10,959 g de cocaína, para além de colaborar diariamente com outros indivíduos a quem também foram apreendidas outras pequenas quantidades de droga. Contudo, a quantidade de droga apreendida não é, como já afirmado, o único critério para aferir se estamos perante um tráfico comum ou um tráfico menor. Está provado que o arguido colaborava de forma regular com esses outros indivíduos, que também foram identificados e que se dedicavam à venda de produtos estupefacientes. Também se provou que era ele que adquiria os produtos e que os subdividia pelos outros intervenientes. Tanto basta para que se fique com uma imagem global dos factos que não se enquadra na figura do tráfico de menor gravidade. A sua actuação não pode deixar de se subsumir à do tráfico comum.
IX - No caso em apreço, estamos face a uma situação de fronteira entre o tráfico menor e o tráfico comum. De resto, a punição abstracta de um e outro crime tem uma zona comum, pois o tráfico de menor gravidade pode ser punido até 5 anos de prisão e o tráfico comum pode ser punido com uma pena inferior a esta. Assim, no quadro de um tráfico comum, estamos perante uma fraca intensidade da ilicitude, corroborada por não se ter encontrado ao recorrente sinais evidentes de riqueza ou de prosperidade.
X - O arguido era um jovem na altura dos factos (19/20 anos), mas não lhe foi aplicado o regime previsto no art. 4.° do DL 401/82, de 23-09, o que já o próprio não contesta no presente recurso, pelo menos de uma forma clara e expressa nas conclusões. De resto, seria inusitado aplicar tal regime a um indivíduo que já averbou anteriormente cinco condenações por condução sem habilitação legal, três crimes de furto simples e um crime de tráfico de menor gravidade, todos punidos com penas suspensas, algumas das quais com o prazo de suspensão ainda a decorrer quando o arguido cometeu o crime dos autos. A atenuação especial da pena, que é regra para os jovens adultos, teria de ser afastada neste caso, por manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, pudessem resultar vantagens para a reinserção social do condenado. Contudo, a juventude do arguido deve funcionar como uma atenuante de carácter geral, pois há que considerar que a sua personalidade ainda se encontra em formação e que tal merece relevância ao nível da determinação concreta da pena.
XI - Considerando que se provou, ainda, que: -à data da sua prisão, o arguido vivia com a avó materna, um sobrinho e a irmã; -tem um filho de uma companheira com quem chegou a viver; -revela lacunas ao nível da aquisição e desenvolvimento de competências escolares e profissionais; -o seu percurso a nível laboral traduziu-se em desempenhos irregulares na área da construção civil e num armazém de alumínios; -com o apoio da avó e da mãe obteve a carta de condução e encontra-se a efectuar diligências com vista à conclusão do 3.º ciclo, com o objectivo de vir a integrar a Carris, onde o padrasto exerce funções de motorista; tudo ponderado, considerando estar-se perante um caso de fronteira quanto à ilicitude do facto e em face de um jovem que ainda não cumpriu pena de prisão, mas tendo estado sujeito a prisão preventiva desde 20-06-2007 a 20-05-2008 e, desde esta data, submetido a obrigação de permanência na habitação, e tendo ainda em mente a previsível revogação de suspensões de pena anteriores, é razoável fixar a pena em medida inferior à [de 5 anos e 6 meses de prisão] adoptada no tribunal recorrido, mais concretamente, em 4 anos e 6 meses de prisão.
XII - Tal pena, porém, não será suspensa na sua execução, pois o passado criminal do arguido não aponta para que se deva fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça da execução da pena de substituição o faça afastar da criminalidade. De resto, o arguido já por várias vezes beneficiou da suspensão da pena e tal não o impediu de continuar a cometer crimes. Por outro lado, dado este passado e ainda o alarme social provocado por este tipo de conduta, a suspensão da execução da pena também não satisfaria as exigências de prevenção geral.
Proc. n.º 380/09 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor