Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 19-03-2009
 Homicídio qualificado Insuficiência da matéria de facto Regime penal especial para jovens Atenuação especial da pena
I -A insuficiência da matéria de facto para a decisão implica a falta de factos provados que autorizem a ilação jurídica tirada. É uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, e não se confunde, evidentemente, com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados.
II - O preâmbulo do DL 401/82, de 23-09, fornece algumas indicações, quanto aos propósitos do legislador, na instituição de um regime penal diferente, estando em causa delinquentes menores de 21 anos e maiores de 16: fica claro o objectivo, logo à partida, de que a ressocialização do menor delinquente é prioritária, por ser exactamente em idades mais jovens que ela será mais viável, assim se devendo, investir, pois, mais aí.
III - Estabelece-se depois outra orientação básica, e que vai no sentido de, tanto quanto possível, se aproximar o direito penal dos jovens imputáveis dos princípios e regras do direito reeducador de menores. E diz-se mesmo que o “princípio geral imanente a todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida correctiva” (§ 4).
IV - Tem-se em especial atenção o carácter estigmatizante das penas, propondo-se portanto a adopção preferencial de medidas correctivas; para além da pena de prisão, o juiz “deve dispor de um arsenal de medidas de correcção, tratamento e prevenção, que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil”.
V - Como ultima ratio, não se afasta a possibilidade de aplicação da pena de prisão, “quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos” (§ 7).
VI - O art. 4.º prevê a atenuação especial da pena, pelo juiz, “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. Ora, da análise deste preceito parece resultar que: -a) A atenuação especial em foco não opera automaticamente pelo simples facto de estar em causa um jovem com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos. -b) O objectivo da atenuação especial é a mais fácil reinserção social do jovem. -c) O juízo sobre as virtualidades da atenuação especial, para se lograr uma melhor reinserção, há-de assentar, pela positiva, num conjunto de circunstâncias que se enumerem, para além da idade. Na verdade, temos dificuldade em ver na lei que, por regra, se deva atenuar especialmente a pena, excepto se a tanto se opuserem, em nome das necessidades de reinserção social do jovem, ou, eventualmente, da prevenção geral, um determinado conjunto de circunstâncias. Pelo contrário, só quando dispuser de elementos que apontem para uma melhor reinserção social do jovem, através da diminuição da pena, é que o juiz deve activar a atenuação especial, para além da consideração sem mais, da idade deste. -d) Não é por estar em causa um jovem entre os 16 e os 21 anos, que se tem que partir do princípio de que, quanto menor for a pena de prisão, mais fácil será a reinserção social. Trata-se de uma posição que pode ser defendida, mas que, se fosse esse o caso, o legislador teria instituído a atenuação especial como obrigatória, ou pelo menos como regra, e não é isso que resulta da lei. -e) Os elementos que pela positiva se enumerem para fundamentar a atenuação especial têm que ser fortes. Quando a lei refere a exigência de “sérias razões”, para se crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social, não só se afasta a atenuação como regra, como se lhe confere um certo grau de excepção. O pensamento legislativo ter-se-ia exprimido muito deficientemente, se tirássemos do texto da lei a ilação, de que existe sempre, como que uma presunção natural, de benefício para a reinserção do jovem, se se atenuar especialmente a pena.
VII - A atenuação deverá ter lugar se houver elementos retirados da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao cometimento do crime, da natureza e modo de execução do crime, ou dos motivos determinantes deste, que levem a estabelecer um prognóstico favorável de melhor reinserção social do arguido, com a aplicação de uma pena mais curta, fruto da atenuação especial.
Proc. n.º 164/09 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos