Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 12-03-2009
 Imputabilidade diminuída Perícia médico-legal Perícia psiquiátrica Homicídio qualificado Especial censurabilidade Especial perversidade Culpa Princípio da verdade material Princípio da investigação Insuficiência da matéria de facto Vícios do art
I -O recorrente foi condenado pela autoria material, entre outros, do crime de homicídio qualificado, considerando o tribunal recorrido que era circunstância qualificativa do crime o ter-se utilizado, aí, um meio particularmente perigoso e que se traduziu na prática de um crime de perigo comum.
II - Contudo, a doutrina vem entendendo, embora dividida, que os exemplos padrão previstos a título exemplificativo no art. 132.º do CP se prendem essencialmente com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois que, ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta (por exemplo, o homicídio cometido na pessoa do pai ou do filho), não é essa circunstância, por si, que determina a qualificação do crime, antes a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa.
III - Sendo assim, não parece compaginável, por ser contraditório nos seus termos, um homicídio qualificado cometido por agente a quem tenha sido razoavelmente sinalizada uma imputabilidade diminuída.
IV - Não pode haver um tipo especial de culpa, revelador de uma particular censurabilidade ou perversidade por parte de alguém que, porventura, por força de uma anomalia psíquica, não acidental e cujos efeitos não domine, sem que por isso possa ser censurado, tenha, no momento da prática do facto, uma capacidade diminuída para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação.
V - Deste modo, havendo relevante notícia nos autos e prova sensível obtida em audiência de que o arguido já esteve em tratamento em diversos hospitais psiquiátricos e que apresenta indícios de défices ao nível cognitivo, sendo certo, para mais, que mantém um acompanhamento psicológico e farmacológico no estabelecimento prisional onde se encontra, era necessário, mesmo imprescindível, à luz do princípio da descoberta da verdade material e de acordo com os poderes de investigação oficiosa do tribunal, consagrados no art. 340.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPP, que se tivesse ordenado um exame às faculdades mentais do arguido, efectuado por perito médico habilitado para o efeito, para se determinar se seria imputável à data dos factos e se a sua eventual imputabilidade estaria, ao tempo, de algum modo diminuída.
VI - Note-se, de resto, que a afirmação, colocada nos factos provados pelo tribunal recorrido, de que “o arguido apresenta indícios de défices ao nível cognitivo, mas com capacidade de destrinça para o que é a norma socialmente aceite”, envolve um juízo científico e, ainda que formulado com carácter empírico, baseado apenas numa observação feita pelo tribunal e tendo por suporte o senso comum, carece do suporte pericial que seria necessário. Há doenças do foro psiquiátrico que não são patentes perante o observador comum, sem conhecimentos psiquiátricos e que, todavia, podem desencadear processos de inimputabilidade ocasional ou de imputabilidade diminuída.
VII - A ausência de factos baseados num juízo científico, relativamente a esta ordem de considerações, impede o tribunal superior de apreciar a aplicação do direito. Há, portanto, uma notada insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, claramente resultante do texto da própria decisão recorrida, o que constitui o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP e determina, à luz do disposto nos arts. 426.º, n.º 1, e 426.º-A do CPP, o reenvio do processo para o tribunal competente, tão só, pois, para determinar, mediante perícia médico-legal e outros meios complementares julgados necessários, se o arguido é imputável ou se tem uma imputabilidade diminuída, em qualquer caso, se oferece perigosidade, melhor se decidindo, depois, em conformidade com toda a já adquirida prova e com esse acrescido vital dado científico.
Proc. n.º 4136/08 -5.ª Secção Soares Ramos (relator) Simas Santos