Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 12-03-2009
 Falsificação Documento Processo respeitante a magistrado Ministério Público Inquérito Bem jurídico protegido Direitos de personalidade Benefício ilegítimo
I -O Sistema de Gestão de Inquéritos (SGI) não é uma base de dados eminentemente pessoais, mas um sistema de gestão dos inquéritos que dão entrada nos Departamentos de Investigação e Acção Penal, serviço integrado na estrutura da Procuradoria-Geral da República e dela dependente, consistindo num mero procedimento administrativo de recolha e tratamento de informação marcadamente adjectiva, no âmbito da coordenação da direcção do inquérito, conforme disposto, desde logo, nos arts. 46.° e 47.° do EMP (Lei 47/86, de 15-10, na redacção da Lei 60/98, de 27-08), não contendo qualquer informação de particular sensibilidade pessoal, antes se limitando, no capítulo da afectação dos direitos individuais, ao restrito elenco de dados atinentes aos nomes dos denunciantes, dos ofendidos e dos denunciados/arguidos, bem assim a “todo o circunstancialismo relativo à suspeita do ilícito criminal em investigação, desde a sua natureza, data e lugar da sua prática, incluindo as medidas de coacção aplicadas, o despacho final do inquérito e da decisão instrutória até à sentença e recurso, para além da identificação do magistrado titular do inquérito”. Estar-se-á, isso sim, perante um mero procedimento estatístico relativo a movimento processual.
II - Não parece atingido, relevantemente, com a elaboração do expediente administrativo ou o suporte procedimental utilizado pelo DIAP, qual anterior “livro de porta”, algum direito de personalidade de um qualquer idealizado “titular de dados”, desde logo porque, na própria significação adoptada pela Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei 67/98, de 26-10), se associa essa titularidade, sempre, como é natural, a uma pessoa (quando muito, também, a um núcleo pessoal determinado), segundo se colhe da redacção conferida ao seu art. 3.º, em nenhuma outra disposição se detectando a existência de determinante conexão de qualquer informação – por exemplo, do tipo da correntemente utilizada em livros de registo de entrada de papéis ou do curso sequencial de qualquer tipo de procedimento investigatório – com o próprio suporte físico em que se analisa o registo e a organização do meio adjectivo utilizado pelo serviço estruturador.
III - O arguido [procurador-adjunto em exercício de funções no DIAP de …], ao desvirtuar o conhecimento actualizado dos inquéritos pendentes no DIAP, introduzindo no sistema informático dados irreais intencionalmente conducentes à formação de convicção, por parte de quem a ele acedesse, de que existiria uma pendência, a seu cargo, inferior à verdadeira, quis disso claramente tirar partido, ocultando atrasos ou ficcionando céleres intervenções pessoais, condicionando dessa forma, desde logo, a apreciação que viria a ser feita pela hierarquia, sobre a globalidade do seu desempenho profissional, em termos que o viriam a favorecer.
IV - Assim se nos depara, pois, afectada “ verdade intrínseca do documento enquanto tal”(Figueiredo Dias e Costa Andrade, in CJ, ano VII, tomo 3.º, pág. 23), a imputada autoria de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.ºs 1, al. d), e 4, do CP.
V - Bem se vê, quanto mais não seja ao nível da relação hierárquica característica do enquadramento funcional dos representantes do MP, nos termos, nomeadamente, do art. 219.°, n.º 4, da CRP, a relevância jurídica factual a que faz apelo a citada alínea, envolvendo claramente, para além do conceito de “benefício ilegítimo”, que se analisa em toda a vantagem patrimonial ou não patrimonial que se obtenha através do acto de falsificação, o de “documento”, tal como contido, este último, na al. a) do art. 255.º do CP.
VI - Clara, afronta, por isso, do bem jurídico protegido pelo considerado tipo legal de crime, que é, como hodiernamente se entende e como se explicita in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo II, pág. 680, “o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental”, considerada, aí, a “narração de facto falso juridicamente relevante” (ou seja, “falsa declaração em documento regular”, como se observa naquela obra e no referido local, pág. 683).
Proc. n.º 3554/08 -5.ª Secção Soares Ramos (relator) Simas Santos