Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 12-03-2009
 Homicídio qualificado Motivo fútil Regime penal especial para jovens Idade Prevenção especial Atenuação especial da pena Medida concreta da pena
I -O arguido praticou um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do CP.
II - Mostra-se acertada a exclusão do regime penal especial para jovens constante do DL 401/82, de 23-09. Com efeito, nos termos do art. 4.º desse diploma, «se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado». Esta atenuação especial da pena é aqui determinada fundamentalmente por razões ligadas à reinserção social do jovem delinquente, nisso se distinguindo este regime daquele (regime geral da atenuação especial da pena) que está previsto nos arts. 72.º e 73.º do CP.
III - O que está verdadeiramente em causa no citado regime são razões de prevenção especial, ligadas à reinserção social do menor, e não razões de culpa ou mesmo de ilicitude.
IV - No caso dos autos [o arguido tinha 18 anos], não se detectam razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do arguido. Com efeito, são muito fortes e até preponderantes as razões de prevenção especial que obstaculizam o recurso à atenuação especial da pena. Essas razões estão bem patentes na factualidade provada, na parte que diz mais directamente respeito à personalidade do arguido e ao seu modo de relacionamento, como sejam a sua débil ou mesmo inexistente inserção familiar, profissional e social, a total ausência de juízo crítico e de consciência do desvalor do ilícito, a impulsividade, a baixa auto-estima e a necessidade de protagonismo através da prática de actos transgressivos, de que o crime de que tratam os autos é o exemplo mais extremado e chocante. Acto este, que sendo de uma gravidade notória, não despertou no arguido uma suficiente «ressonância emocional». Acresce que o arguido, mesmo durante o cumprimento da medida coactiva, tem dado mostras do seu carácter refractário à disciplina prisional, registando várias sanções disciplinares, e esta é mais uma circunstância que traduz as suas enormes carências de socialização.
V - Todas estas considerações são expendidas no que diz mais propriamente respeito à personalidade do arguido. Porém, a própria factualidade relacionada com a prática do facto típico (a motivação fútil, tendo o acto sido perpetrado de uma forma quase aleatória contra um imigrante que nada fez para o sofrer, a violência fora do comum, a atitude pusilânime a seguir à prática do acto) se pode traduzir a gravidade (ilicitude) do facto e mesmo a intensidade da culpa, traduz uma personalidade eminentemente desviada dos padrões normais (daí a qualificação do homicídio), a fazer apelo directo às fortes necessidades de ressocialização que se fazem sentir e que constituem obstáculo à atenuação especial da pena, por aplicação do regime penal especial para jovens.
VI - Daí que se possa dizer aqui que o facto em que se envolveu o jovem não radica naquela fase especialmente difícil que é o trânsito da fase juvenil para a fase adulta, mas no modo desestruturado da sua personalidade.
VII - É certo que o arguido «teve um percurso de vida gravemente disruptivo, pautado desde os primeiros anos de vida por múltiplas situações de abandono. O seu processo de socialização foi marcado precocemente pela ausência de figuras parentais e por profundas carências psico-afectivas. Neste contexto de abandono, negligência educativa e afectivamente deficitário, o arguido tornou-se um adolescente inadaptado, com profundos sentimentos de revolta, que tentava colmatar a sua baixa auto-estima através de comportamentos de rebeldia que lhe conferiam algum protagonismo grupal» (relatório social).
VIII - Nessa medida, nesse contexto que se diria exógeno, o arguido é também produto das circunstâncias, como todos, afinal, uns com melhores condições ou condições óptimas para triunfarem na vida, outros que já aparecem discriminados desde os primeiros anos (ou mesmo desde os primeiros meses) de vida, acumulando revolta contra essas condições. O processo é conhecido. Esse circunstancialismo tem inegável influência na culpa, na medida em que há algo de social nesta e não apenas o livre arbítrio do indivíduo. Todavia, não pode justificar a atenuação especial da pena, por aplicação do regime penal especial para jovens, pois este baseia-se fundamentalmente em razões que são da ordem da prevenção especial ou de socialização.
IX - A medida da pena tem, assim, de ser encontrada dentro da moldura penal correspondente ao facto típico ilícito – homicídio qualificado, nos termos dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do CP (redacção actual, idêntica à antiga, apenas com alteração de alíneas). E se, dentro dessa moldura, a confissão dos factos não tem a relevância que o recorrente lhe pretende dar, e muito menos a ausência de antecedentes criminais, quando o arguido vem revelando desfasamentos no estabelecimento prisional e tem um passado não isento de mácula, embora sem relevância criminal, já todo o circunstancialismo atrás referido quanto ao seu acidentado percurso de vida e o ambiente exógeno em que decorreu a sua formação ou deformação relevam para a medida da pena, pois condicionam inevitavelmente o seu agir. Tal circunstancialismo não foi devidamente ponderado na decisão recorrida [que aplicou ao arguido a pena de 16 anos de prisão]. Daí que se entenda (por isso e também pela idade, para não se retardar excessivamente o seu regresso à vida social) que a pena deva ser algo atenuada. Deste modo, a pena mais adequada será a de 15 anos de prisão.
Proc. n.º 3773/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor