ACSTJ de 05-03-2009
Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Conhecimento oficioso Tráfico de estupefacientes Medida da pena Fins das penas Pena única Suspensão da execução da pena
I -O conhecimento de recurso da matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do art. 410.º do CPP. II - Quando o art. 434.º do CPP nos diz que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o STJ possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo; pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo STJ, oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. III - O âmbito dos poderes de cognição do STJ é-nos revelado pela al. c), hoje al. d), do n.º 1 do art. 432.º, que restringe o conhecimento do STJ a matéria de direito; refira-se que as alterações do CPP, operadas pela Lei 48/2007, de 29-08, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do art. 432.º e art. 434.º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste STJ. IV - Ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o STJ tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos; por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do Acórdão para fixação de jurisprudência de 19-10-1995, do Pleno das Secções Criminais deste STJ (Proc. n.º 46580 -3.ª, DR I-A, de 28-12-1995). V - Entre os preceitos dos arts. 25.º, 21.º e 24.º do DL 15/93, de 22-01, há uma escalada de danosidade social centrada no grau de ilicitude. Mas há também uma estrutura altamente abrangente do tipo fundamental do art. 21.º, que compreende comportamentos tão diversos como a mera detenção ou a exportação e venda, o que reforça a necessidade de análise do caso concreto. VI - Na sindicância das penas aplicadas o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, em matéria de culpabilidade, diz-nos o n.º 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. VII - Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. A ponderação da culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e portanto do interesse do arguido. VIII - A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “submoldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (cf., sobretudo, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e ss.). IX - Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológiconormativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. X - O art. 77.º, n.º 1, do CP manda considerar, para a escolha da medida da pena única, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, vindo-se a entender que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” – ob. cit., pág. 291. XI - É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime. XII - Para o legislador, portanto, a suspensão deve arrancar desde logo de considerações preventivas, por ter que estar preenchida, em termos de prognóstico, a condição negativa da falta de perigosidade social do arguido. Mas a lei não considera este requisito como único e nem sequer prevalente. Finalidades da punição são as finalidades preventivas, especial e geral. XIII - De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com propósitos de prevenção especial, e deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado; por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a sociedade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. A suspensão não poderá ser vista pela comunidade como um “perdão judicial”. XIV - Acresce que a aposta que a opção pela suspensão sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta: personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.
Proc. n.º 312/09 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
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