Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-03-2009
 Admissibilidade de recurso Confirmação in mellius Pena aplicada Concurso de infracções Competência do Supremo Tribunal de Justiça Recurso da matéria de direito Matéria de facto Escutas telefónicas Destruição Constitucionalidade Declarações para
I - A decisão do tribunal recorrido é confirmada quando o Tribunal da Relação aplica uma pena inferior ou menos grave do que a da decisão recorrida (confirmação in mellius). A al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na nova redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007, de 29-08, veio resolver a questão, até então bastante controvertida, de saber se o limite da recorribilidade era estabelecido pela pena aplicável ao crime objecto do processo ou se o era pela pena concretamente aplicada, estatuindo-se agora, de forma clara, que tal limite é o da pena efectivamente aplicada, mesmo em caso de concurso de infracções.
II - Em caso de concurso de crimes, o que releva para efeitos de in(admissibilidade) de recurso para o STJ (nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08) é a pena aplicável a cada um dos crimes cometidos e não a soma das molduras penais abstractas dos crimes em concurso, sendo que a interpretação que se acolhe não colide com a CRP (cf., v.g., Acs. do STJ de 14-07-2004, Proc. n.º 1101/04 -3.ª, de 28-09-2005, Proc. n.º 2807/05 -3.ª, de 21-09-2005, Proc. n.º 2759/05 -3.ª, de 11-102005, Proc. n.º 2433/05 -5.ª, e de 21-12-2005, in SASTJ n.º 96, pág. 79, e do TC n.ºs 2/2006, de 03-01, in DR II Série de 13-02-2006, e 64/2006, de 24-01, Proc. n.º 707/2005, DR II Série, de 19-05-2006).
III - A eliminação, pela Lei 48/2007, de 29-08, da expressão «mesmo em caso de concurso de infracções» constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP (redacção anterior), é de interpretar no sentido de que se quis dar relevância às penas parcelares concretamente aplicadas.
IV - Por isso, relevante para efeitos de (in)admissibilidade de recurso para o STJ é a pena aplicada a cada um dos crimes cometidos e não a soma das penas aplicadas aos crimes em concurso.
V - Assim, num caso, como o do autos, em que estamos perante concurso de crimes e os recorrentes foram condenados – cada um deles – em penas parcelares não superiores a 8 anos de prisão, não é admissível recurso para este STJ relativamente a tais crimes. Porém, já é admissível o recurso no que concerne a cada uma das penas únicas aplicadas se, em concreto, superiores a 8 anos de prisão.
VI - O recurso para este Supremo Tribunal é restrito à matéria de direito, embora o STJ possa conhecer dos vícios da matéria de facto, por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em quadro factual claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer daqueles vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito, devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.
VIII - O TC, nos Acs. n.ºs 660/06, de 28-11-2006, 450/07, de 18-09-2007, e 451/07, também de 18-09-2007, considerou inconstitucional a norma do art. 188.º, n.º 3, do CPP (versão anterior à vigência de Lei 48/2007, de 29-08) quando interpretada no sentido de permitir a destruição de gravações de intercepções telefónicas consideradas não relevantes sem que o arguido tivesse conhecimento das escutas, de forma a poder pronunciar-se sobre a importância das mesmas.
IX - Porém, na sequência dessas decisões, o TC proferiu o Ac. n.º 70/2008, de 31-01-2008, com o qual se concorda, onde decidiu, por maioria, não julgar inconstitucional a referida norma quando interpretada no sentido atrás apontado, sustentando que o direito ao contraditório «existe em relação às provas em que se funda a acusação, as mesmas que serão ponderadas pelo juiz de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a julgamento, para efeito da condenação do réu. É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado por considerarem (bem ou mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito – que o arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar esses resultados».
X - Aliás, em concreto, o recorrente nunca requereu cópia dos suportes magnéticos com todas as transcrições, sendo certo que a decisão instrutória foi lida em 25-09-2006 e a desmagnetização dos suportes magnéticos só ocorreu após os despachos do juiz de instrução datados de 22-12-2006, de 08-01-2007 e de 11-01-2007, donde se conclui que tais registos estiveram disponíveis até à remessa do processo para julgamento.
XI - A leitura em audiência de julgamento de declarações prestadas para memória futura não é absolutamente indispensável para que possam ser consideradas válidas e valoradas pelo Tribunal, designadamente para fundamentar a convicção relativamente à matéria de facto, desde que aquelas sejam prestadas com respeito pela estrutura acusatória do processo e seja assegurado um processo equitativo, com igualdade de armas, e respeito pelos princípios do contraditório e da imediação da prova (arguido e seu defensor presentes, com possibilidade de intervirem e formularem) – arts. 355.º, n.º 2, e 356.º do CPP.
XII - O art. 271.º do CPP ao regulamentar as declarações para memória futura e interpretado em conformidade com o art. 32.º da CRP, não exige, para que aquelas (declarações) sejam admissíveis, que se encontre constituído arguido no processo.
XIII - Numa situação em que: -à data em que foram prestadas as declarações para memória futura o arguido ainda não havia sido constituído como tal no processo; -o defensor do arguido foi notificado do despacho que declarou aberta a instrução; -o arguido tomou contacto com o processo, formal e substancialmente, quando foi sujeito a primeiro interrogatório judicial; -as testemunhas não foram inquiridas em audiência de julgamento; podemos concluir que foram salvaguardados e respeitados os direitos de defesa do arguido, designadamente o contraditório – enquanto expressão do direito a um processo equitativo – , e que não estamos perante prova proibida ou que não pudesse ser atendida e valorada pelo tribunal a quo, não tendo sido violados quaisquer preceitos constitucionais, nomeadamente os arts. 32.º, n.ºs 1 e 5, e 20.º, n.º 4, da CRP.
XIV - Com efeito, o arguido teve oportunidade de contraditar a credibilidade e os depoimentos daquelas testemunhas quer na instrução (onde esteve presente e representado por advogado) quer em sede de audiência de julgamento, apresentando os meios de prova que entendesse necessários (designadamente testemunhas) – cf., neste sentido, Ac. do STJ de 16-06-2004, in www.dgsi.pt, sendo certo que o contraditório não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo em cross examination.
Proc. n.º 486/09 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar